
Gilberto Carvalho de Oliveira; Luan do Nascimento Silva; Paulo Roberto Loyolla Kuhlmann
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 1, e1095, 2021
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concreto de violências direta, estrutural e cultural vivenciadas pela população
local onde a ação é encenada, abrindo-se, em seguida, à participação da audiência
através de intervenções orientadas por um mestre de cerimônias ─ o Curinga,
na terminologia de Boal ─ que Schrowange prefere chamar de mediador ou
facilitador. Através desse processo interativo, a performance leva “a audiência a
constatar que se ela não intervier nada irá mudar”, pois os personagens atuando
como os perpetradores da violência continuarão em cena, a manter suas posições,
até serem convencidos, pelas intervenções positivas da audiência, a parar ou
mudar suas ações. As encenações são encerradas, habitualmente, com um debate
final entre atores e audiência, seguido de um ato simbólico pela paz, que pode
envolver música, dança, o plantio de uma árvore ou uma prece, dependendo do
contexto onde a performance é realizada (Schrowange 2015, 16-17).
A peça “Tomates Podres” (Rotten Tomatoes), criada por Schrowange em conjunto
com atores congoleses e ruandeses, em 2014, é uma ilustração emblemática da
forma como o Teatro Badilika trabalha os preconceitos, ódios, rumores, mitos e
estereótipos, bem como as dinâmicas políticas locais nas sessões de teatro fórum
realizadas em cidades de ambos os lados da fronteira entre Ruanda e RD Congo.
A abertura da peça é descrita por Schrowange nos seguintes termos:
Está escuro e silencioso. Ouve-se apenas música clássica ao fundo. Thérèse
entra lentamente em cena, lágrimas em seus olhos. Fotos de crianças-soldado,
de rebeldes da FDLR e do M23, bem como de soldados da MONUSCO estão
projetadas em cena. As fotos projetadas são tão grandes que cobrem não
somente as paredes, mas também o piso
7
(Schrowange 2015, 53, tradução
nossa).
8
O título “Tomates Podres” é uma referência à mercadora ruandesa de tomates
que entra em cena no início da peça, sendo, em seguida, confrontada, insultada
7 Em 2014, quando essas performances foram realizadas pelo Teatro Badilika, as Forças Democráticas para a
Liberação de Ruanda (FDLR) eram um dos grupos armados mais atuantes na região leste da RD Congo. Integrada
majoritariamente por milícias da etnia Hutu, que haviam fugido com suas famílias após o genocídio contra
Tutsis, em 1994, em Ruanda, os integrantes da FDLR eram percebidos não só como um fator desestabilizador da
região leste da RD Congo, devido a atrocidades cometidas contra populações civis nas áreas sob seu controle,
mas também como uma ameaça ao governo ruandês. O Movimento 23 de Março (M23) era um grupo militar
rebelde atuante, desde 2012, na região leste da RD Congo, que foi derrotado, em 2013, pelas Forças Armadas
congolesas, com o apoio da Brigada da Força de Intervenção da ONU (FIB), incorporada à MONUSCO (Missão
da ONU para a Estabilização da RD Congo), que se encontra no país até hoje.
8 No original: “It is dark and quiet. Classical music is playing. Thérèse slowly enters the stage, tears in her
eyes. Photos of child soldiers, FDLR and M23 rebels as well as MONUSCO soldiers are projected on the stage,
they are so large, that not only the wall but the floor is also covered by the projected photos”.