
João Fernando Finazzi; Reginaldo Mattar Nasser
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1138, 2021
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deteriorar e, a partir do final dos anos 90, se encontrava em profundo declínio
— levando a uma nova ruptura em 2004.
O insucesso das ações da ONU em alcançar seus objetivos levou à elaboração
de uma série de análises com o intuito de aperfeiçoar os esforços da intervenção,
realçando a incapacidade de setores da sociedade, em geral, e das elites haitianas,
em particular, de realizarem aquilo que seria um acordo nacional sobre o papel
a ser atribuído aos atores armados do país, sugerindo uma atuação mais incisiva
da “comunidade internacional”. No contexto de uma nova intervenção militar,
em 2004
4
, o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, declarou que o Haiti não tinha
capacidade para resolver seus próprios problemas de forma autônoma e que
deveria ser ajudado por atores internacionais (Annan 2004).
Essa acepção, certamente benigna da intervenção internacional, segundo
a qual a crise haitiana possuía causas exclusivamente endêmicas, passou a ser
desafiada nos últimos anos, quando novas análises passaram a atribuir maior
relevância aos fatores externos para a sua recorrência. Reconheceu-se não apenas a
existência de falhas nas estratégias de atuação de diversas agências e organizações
internacionais na RSS do Haiti, ao longo dos anos 1990, mas também em como
essa múltipla atuação foi fator de deterioração do processo de democratização
dos anos 1990 (Mobekk 2016; Burt 2016).
Se podemos constatar, por um lado, a existência de uma literatura preocupada
com o papel dos atores não estatais nas operações de paz no Haiti, por outro,
há que reconhecer também que os interesses e os papéis exercidos pelos EUA,
em relação à RSS, são raramente enfatizados, ainda que o considerem como
um ator relevante (Mobekk 2016: 6). Essa afirmação se choca não apenas com
a contínua influência que os EUA exercem sobre o Haiti, desde a ocupação de
1915-34
5
, mas também com a importância fundamental que tiveram tanto na
criação das missões da ONU e da OEA que resultaram na intervenção, em 1994,
quanto para a execução dos mandatos durante os anos 1990. Já em 2008, na
4 Em abril de 2004, após intervenção inicial de uma coalizão liderada pelos EUA, a ONU cria a Minustah, que
fica em vigência por 13 anos no país, inaugurando uma nova etapa das operações de paz no Haiti, com um
importante engajamento do Brasil na condição de comandante militar da missão e de maior contribuidor de
tropas. A RSS foi um dos objetivos declarados fundamentais da operação.
5 A contínua influência dos EUA no Haiti é tão significativa que alguns historiadores a consideram um elemento
fundamental para o estudo da própria história do país, mesmo quando se avalia o período posterior à 1934.
Além da proximidade geográfica e dos legados de ocupações, questões como a transformação das Forças
Armadas, os movimentos nacionalistas do século XX, a dependência financeira, a manutenção da ditadura
dos Duvalier (57-86), o processo de industrialização do Haiti, e a diáspora haitiana, possuem laços estreitos
com a atuação dos EUA. Ver, p. ex.: Pamphile (2015); Robinson (1996); Trouillot (1990).