
Pedro Henrique Batista Barbosa
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 16, n. 2, e1156, 2021
7-22
“Tianxia” denota, literalmente, todo o mundo geográfico que existe abaixo
do céu — ou o reino dos mortais. “O entendimento chinês do mundo é infinito
em espaço e tempo, com o palácio do imperador [Cidade Proibida] no centro”
(Qin 2007, 322). “Tianxia” estaria sob a área de influência do imperador chinês,
o qual possuía um mandato do céu para governar (天命 tianming). Os demais
seres abaixo do imperador deveriam subordinar-se e pagar tributos.
O objetivo maior da filosofia do “tianxia” é atingir a grande harmonia
(大同 datong), que reflete um mundo ideal de harmonia e ordem baseado na
moral e no altruísmo, inclusive entre o ser humano e a natureza (Qin 2007).
O agir moral seria a principal característica do imperador. Seu comportamento,
que serviria de exemplo a ser seguido por todos os cidadãos, envolveria cinco
virtudes principais: benevolência (仁 ren), senso do dever (义 yi), adequação
ou comedimento (礼 li), sabedoria (知 zhi) e confiabilidade (信 xin). Com base
nessas virtudes e nos ritos estabelecidos, o soberano teria legitimidade e, assim,
seria atingida a harmonia social. A ação política seria, antes de tudo, moral.
Política e moral andavam de mãos dadas, a primeira como continuação da
segunda, diferentemente da lógica realista, que as coloca em campos distintos
(Corrêa e Barbosa 2017).
Outro elemento do modelo de “tianxia” é a ordem da diferença (差序秩序
chaxu zhixu), que envolve hierarquia e desigualdade, lógica que foi incorporada
por pensadores confucianos mais tarde. A relação “não era entre animais na
selva hobbesiana, igualitária e hostil; não era entre humanos na sociedade
lockeana, igualitária e competitiva; não era ainda entre membros na cultura
kantiana, igualitária e amigável; mas era entre pais e filhos na família confuciana,
desigual, mas benigna”. O modelo tradicional chinês de governo calcava-se em
cinco formas de relacionamento — pai-filho, imperador-ministro, irmão mais
velho-irmão mais novo, marido-mulher e amigo-amigo —, em todas as quais
haveria diferenças de nível (Qin 2007).
Por causa desse modelo holístico, o sistema social existe e opera, é com base
nele que são regidas as relações entre governantes e governados. Não há, nem
é esperada, igualdade ou equidade entre súdito e soberano. É por meio dessa
ordem hierárquica que seria possível dar estabilidade e harmonia ao sistema,
garantindo sua manutenção no longo prazo (Corrêa e Barbosa 2017).
A partir das dinastias Qin (221-207 AC) e Han (206 AC-220 DC), esse modelo
foi transplantado para as relações com outros países. Surgiu o sistema tributário,
que perdurou por quase dois mil anos. Neste, o império celestial (天朝 tianchao),