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Cristina Yumie Aoki Inoue
Governança global do clima: proposta de um
marco analítico em construção
Global Climate Governance: a proposed analytical
framework under construction
DOI: 10.21530/ci.v11n1.2016.242
Cristina Yumie Aoki Inoue
1
Resumo
O objetivo deste artigo é propor um marco analítico provisório do processo de governança
global do clima. Busca-se um instrumento para descrever e analisar uma realidade, em
construção, bem como uma perspectiva que possa contribuir na procura de respostas eficientes,
cooperativas, sustentáveis e justas à mudança do clima. Alguns estudiosos têm argumentado
a favor de uma perspectiva de análise centrada na noção de governança do clima, ao invés
do conceito de regime internacional. Isso se deve a três limites relacionados ao conceito
de regimes internacionais
2
: o status proeminente do estado-nação, a sua natureza definida
como unitária (caixa-preta) e a diferenciação e forte demarcação como duas arenas políticas
separadas: a doméstica e a internacional. Outros consideram que regimes internacionais
são subsistemas de governança. Este artigo argumenta que a noção de governança é mais
ampla e por isso compreende mais dimensões do fenômeno. Não existe, no entanto, uma
definição consensual de governança global, tampouco de governança climática. Propõe-se
aprofundar a discussão conceitual sobre governança climática, enquanto uma problemática
multidimensional, que interliga economia-política, segurança, meio ambiente e energia e
que engloba múltiplas escalas, níveis e atores.
Palavras-chave: Governança global do clima, mudança do clima, regimes internacionais,
limites planetários.
1 Professora do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, Doutora em Desenvolvimento
Sustentável.
Artigo recebido em 25/09/2015 e aprovado em 08/05/2016.
2 A definição de regimes internacionais de Krasner não restringe os atores a estados-nacionais, nem pressupõe
a divisão rígida entre política doméstica e internacional. A crítica de Okereke et al. (2009) se refere às análises
empíricas de regimes internacionais, que têm prevalecido na literature.
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
Abstract
This article aims at constructing an analytical framework for the process of global climate
governance. The attempt is to have an instrument to describe and analyze a reality that
is under construction. It also aims at contributing in the search for efficient, cooperative,
sustainable and fair responses to climate change. Some scholars have argued for perspectives
based on the notion of climate governance, instead of the concept of international regime
for which they identify three limits: the prominent status of the national state, its unitary
nature and the strong demarcation between the domestic and international arenas. Other
authors consider international regimes as governance sub-systems. This article argues
that the notion of governance is wider and thus can encompass more dimensions of the
phenomena. However, there is no consensual definition of global governance, neither of
climate governance. Therefore, the article proposes a conceptual discussion of climate
governance, that is multidimensional and connects political-economy, security, environment
and energy, encompassing multiple scales, levels and actors.
Keywords: Global climate governance, climate change, international regimes, planetary limits
Introdução
Vivemos um descompasso entre as evidências científicas sobre as mudanças
ambientais globais e a capacidade das sociedades de responderem a essas
mudanças, no sentido de evitá-las ou minimizá-las, ou mesmo de se prepararem
para lidar com suas consequências. O crescimento exponencial das atividades
humanas aumenta cada vez mais a pressão sobre os sistemas planetários o que
poderia desestabilizar sistemas biofísicos e gerar mudanças ambientais abruptas ou
irreversíveis, deletérias ou até catastróficas para o bem-estar humano (RÖCKSTROM
et al., 2009). Os autores denominam de fronteiras planetárias (limiares planetários)
os contornos de um espaço de operação seguro para a humanidade, que não
devem ser ultrapassados, tendo em vista os riscos que a humanidade enfrenta na
transição planetária do Holoceno para o Antropoceno
3
.
De acordo com Röckstrom et al. (2009), as atividades humanas crescentemente
influenciam o clima da Terra e seus ecossistemas. Os autores identificaram nove
processos para os quais fronteiras devem ser estabelecidas para minimizar o
risco de ultrapassar limiares críticos
4
, que podem levar a resultados indesejáveis.
3 Antropoceno é considerado uma nova época geológica em que o motor dominate de mudanças dos sistemas
do Planeta Terra são os seres humanos (Crützen 2002; Steffen et. al. 2007 apud RÖCKSTROM et al. 2009).
4 No original em inglês: critical thresholds.
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Essas fronteiras planetárias cobrem ciclos biogeoquímicos do nitrogênio, fósforo,
carbono e água; os sistemas principais de circulação física do planeta (o clima,
a estratosfera e os oceanos); características biofísicas da Terra, que contribuem
para a resiliência subjacente de sua capacidade de autorregulação (biodiversidade
marinha e terrestre, sistemas terrestres); e duas características críticas associadas
com a mudança global antropogênica (sobrecarga de aerossol e poluição química).
Entre esses, a mudança global do clima é um dos processos de escala planetária
identificados por Röckstrom et al. (2009), que produzem impactos subsistêmicos
de cima para baixo. Os autores apontam para evidências como a diminuição da
camada de gelo do oceano Ártico e dos picos gelados ao redor do mundo, perda
da cobertura de gelo da Groenlândia e do oeste antártico, a elevação do nível do
mar nos últimos 10 a 15 anos, entre outras. Além disso, ressaltam que o clima
contemporâneo está saindo do “envelope” da variabilidade do Holoceno de forma
aguda, o que aumenta o risco de mudança climática perigosa.
O objetivo geral desse artigo é apresentar e discutir o conceito de governança
global do clima como caminho para analisar as respostas coletivas à problemática
da mudança global do clima. Mais especificamente, pretende-se construir um marco
analítico provisório, porque sempre em construção, para estudar o processo de
governança, entendido como construção de instituições e políticas para responder
às mudanças do clima global.
A ênfase na mudança global do clima se justifica por ser considerada um
vetor civilizatório (VIOLA, FRANCHINI, RIBEIRO 2013). Tal problemática é um
dos maiores desafios de governança contemporâneos, talvez mais complexo do
que o risco da hecatombe nuclear durante a Guerra Fria, por envolver múltiplas
dimensões, setores e atores das relações internacionais, permeando as questões
de segurança e economia política. Viola, Franchini e Ribeiro (2013, p. 25-26) a
consideram um vetor civilizatório, ou seja, os autores promovem o clima, enquanto
categoria social, ao mesmo patamar de dois outros processos: globalização e
democracia. Esses processos, ao lado do clima, são considerados centrais para
entender a evolução das sociedades contemporâneas. Viola, Franchini e Ribeiro
(2013) reconhecem na problemática do clima uma fronteira planetária fundamental,
que, segundo Röckstrom et al. (2009), já foi ultrapassada e, por isso, constitui-se
como um tema em que, paradoxalmente, cresce o abismo entre ciência e política.
Em relação ao objetivo de explorar o conceito de governança, justifica-se pelo
descompasso mencionado acima e também por estudos como o de Biermann et
al. (2012), que apontam para a necessidade de uma reestruturação e reorientação
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
fundamental das instituições nacionais e internacionais em direção a uma governança
dos sistemas da Terra
5
. No artigo escrito por ocasião da Rio +20, os autores avaliam
que prevalecem diferenças de opinião entre cientistas sociais, da mesma forma que
há consensos crescentes em muitas áreas. A conclusão geral é de que mudanças
incrementais, como as que têm ocorrido desde 1972, não são mais suficientes para
trazer a transformação societária no nível e velocidade necessários para mitigar
e adaptar-se à transformação dos sistemas da Terra. Por isso, é necessária uma
mudança estrutural na governança global (BIERMANN et al. 2012)
6
.
Alguns estudiosos têm argumentado a favor de uma perspectiva de análise
centrada na noção de governança do clima, ao invés do conceito de regime
internacional. Conforme será discutido, este artigo segue a visão de Rosenau
(1992) de que a governança é um processo mais amplo do que o abarcado no
regime internacional, não havendo oposição entre os conceitos. Não existe, no
entanto, uma definição consensual de governança global, tampouco de governança
climática. Desse modo, pretende-se aprofundar a discussão conceitual sobre regimes
internacionais e governança climática, buscando avaliar sua adequação à análise
dos desafios trazidos pela mudança global do clima, enquanto uma problemática
multidimensional que interliga economia política, segurança, meio ambiente e
energia, e que engloba múltiplas escalas, níveis e atores. Ressalta-se, ainda, que
a questão da governança, além de se relacionar a diferentes teorias e agendas
de pesquisa, remete a projetos normativos, ou empreendimentos políticos de
diferentes atores, o que pode gerar distorções. O foco deste estudo é a dimensão
analítica da noção de governança.
Para discutir a governança global do clima e identificar elementos para a
construção de um marco analítico, será realizada uma breve revisão da literatura
corrente sobre governança com vista a apontar as possibilidades analíticas do conceito.
Almeja-se, assim, identificar um marco conceitual (provisório) para descrever e
analisar um processo, em construção, bem como desenvolver uma perspectiva
que possa contribuir na busca por respostas eficientes, cooperativas, sustentáveis
e justas à mudança do clima. Dado o estado da arte da pesquisa empírica, ainda
não é possível desenvolver o que seria um “tipo ideal” de governança climática
global, que seria útil do ponto de vista analítico-empírico e normativo. Desse modo,
este artigo localiza-se num estágio preliminar de desenvolvimento conceitual ao
5 Earth System Governance, no original em inglês.
6 Entretanto, os autores se limitaram a propor a criação de uma organização mundial ambiental.
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propor dimensões, processos e mecanismos que devem ser considerados na análise.
Trata-se apenas de um marco analítico em construção.
O artigo é dividido em três partes: na primeira, discutem-se os conceitos de
regime internacional e de governança; na segunda, identificam-se três dimensões
analíticas de uma abordagem de governança global do clima. Assim, consideram-se
questões de poder e escalas; relação agente-estrutura, atores e agentes, além disso,
identificam-se processos de governança e novos mecanismos, com foco em tipos
de arquitetura, redes e governança policêntrica. Por último, são tecidas algumas
conclusões sobre as possibilidades analíticas do conceito, bem como sobre os
desafios normativos, decorrentes do descompasso entre a urgência apontada pela
ciência e a falta ou inadequação das respostas à problemática da mudança global
do clima.
Governança como perspectiva analítica: para além da análise de
regimes internacionais?
Na literatura em Relações Internacionais e meio ambiente, até meados
da primeira década dos anos 2000, têm prevalecido abordagens centradas nas
análises de regimes internacionais (VIOLA, FRANCHINI, RIBEIRO 2013). Regimes
internacionais podem ser considerados instituições sociais criadas para responder
à necessidade de governança em áreas temáticas específicas, que surgem num
cenário anárquico (BREITMEIER, YOUNG, ZURN 2006). Para Levy, Young e
Zürn (1995, p. 274) regimes internacionais ambientais são instituições sociais
constituídas de princípios, normas, regras, procedimentos e programas que
governam as interações dos atores em áreas temáticas específicas. Wettestad
(1999) também adota esta última definição, que é muito próxima àquela adotada
por Krasner (1982), diferenciando-se apenas pela afirmação de que regimes são
instituições sociais. Breitmeier, Young e Zurn (2006, p. 9) realizam ampla revisão
dos estudos sobre regimes internacionais e constatam que a maioria da pesquisa
sobre regimes emprega métodos qualitativos e mais frequentemente dão atenção
para desenvolvimento de estudos de caso.
Por meio de um amplo levantamento da literatura, Breitmeier, Young e Zurn
(2006) apontam que alguns analistas realizam estudos minuciosos de regimes
internacionais específicos para desenvolver argumentos mais amplos, conceituais
e teóricos, sobre a formação e operação de instituições na sociedade internacional.
As questões e conceitos identificados por Breitmeier, Young e Zurn (2006) nessa
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literatura compreendem: comunidades epistêmicas, papel dos discursos e brokers
de conhecimento, ou das avaliações científicas na criação e implementação de
regimes internacionais; hipóteses sobre formação e efetividade de regimes e sobre
mecanismos por meio dos quais esses influenciam o comportamento; tipologias de
problemas internacionais – benignos ou malignos –, entre outros (BREITMEIER,
YOUNG, ZURN 2006).
Com base na revisão dos estudos realizada, Breitmeier, Young e Zurn (2006)
chamam a atenção para características comuns dos regimes internacionais. Ainda
que todos sejam motivados por problemas e digam respeito a uma área específica
7
,
tais estudos revelam discordância sobre a relevância dos problemas e sobre as
formas de solucioná-los. Embora se reconheça a emergência de vários atores não
estatais como forças motoras no nível internacional e transnacional, a maioria
dos estudos enfatiza a sociedade de estados, ou o sistema interestatal. Assim, os
membros dos regimes são estados e as regras, associadas à ideia de soberania.
O conceito de governança, tal qual trabalhado na literatura, é mais amplo do
que o de regime internacional, mas certamente relacionado a esse. Como exposto
por Rosenau, a definição mais amplamente aceita de regimes configura-se com
base na limitação temática. Ou seja, essa visão considera os componentes e a
concordância intersubjetiva dos atores em torno de áreas temáticas
8
(ROSENAU,
2000, p. 21-22.). Governança global estaria, portanto, relacionada à ordem global,
inclusive abarcando a sobreposição, interação ou conflito entre dois ou mais
regimes internacionais. Ademais, as fronteiras entre áreas podem, por vezes, ser
artificiais e inadequadas (INOUE; PRADO, 2006).
O foco temático tem sido importante para o desenvolvimento dos estudos
sobre regimes. Há uma ampla literatura que tem desenvolvido conceitos e levantado
hipóteses, como apontado por Breitmeier, Young e Zurn (2006). Entretanto, o
foco numa área específica também pode se tornar um limite, principalmente se
reduzir o escopo de análise apenas a alguns instrumentos jurídicos internacionais
ou a alguns atores, como os estados. A mudança global do clima se configura
como um tema multissetorial, que não se restringe mais à dimensão ambiental e
perpassa as dimensões econômica e de segurança (VIOLA, FRANCHINI, RIBEIRO
2013; PAINEL BRASILEIRO DE MUDANÇAS CLIMÁTICAS, 2014).
7 No original em inglês: problem-driven – issue-specific.
8 No original em ingles: issue areas.
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Keohane e Victor (2010) buscam ir além do foco num único regime para tratar
a questão climática e utilizam o conceito de complexo de regimes desenvolvido
por Raustiala e Victor (2004, p.295). De acordo com Keohane e Victor (2010), o
complexo de regimes situa-se numa posição intermediária de um contínuo, que
se inicia, de um lado do espectro, por instituições internacionais abrangentes
focadas num único instrumento legal integrado e, do outro lado, por arranjos
altamente fragmentados. Dessa forma, entre os dois extremos estão regimes
aninhados e complexos de regimes, que são conjuntos frouxamente agrupados
de regimes específicos.
O complexo de regimes do clima compreende as instituições criadas no âmbito
da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC),
iniciativas de grupos ou clubes de países, como a Asian Pacific Partnership (APP),
o Major Emitters Forum (MEF), o G8 ou o G20, bem como iniciativas bilaterais.
Abrange, ainda, o Intergovernmental Panel on Climate Change (IPCC), outros
regimes regionais, ou internacionais, regulatórios de outros gases, como o ozônio
(Convenção de Viena/Protocolo de Montreal) ou poluentes como o carbono negro
(black carbon), os quais, quando controlados, têm efeito positivo, por isso, são
sinérgicos à mitigação da mudança do clima. Além disso, consideram o Banco
Mundial, tanto pelo seu aspecto de financiador de iniciativas ligadas ao regime
da UNFCCC – por exemplo, o mecanismo de desenvolvimento limpo ou o Global
Environmental Facility –, como pela possibilidade de incentivar ou constranger
investimentos, benéficos ou maléficos ao clima global. Ações unilaterais de atores
subnacionais, ou da indústria, também são apontadas como parte do complexo
(KEOHANE; VICTOR 2010).
Embora o conceito de complexo de regime do clima permita ir além da
análise de um único regime, ainda deixa em aberto questões importantes relativas
a agência, níveis de análise e escala. Estudiosos têm apontado para os limites na
abordagem de regimes internacionais. Okereke et al. (2009) questionam o foco
estatocêntrico, no que diz respeito ao status proeminente do estado, sua natureza,
definida como unitária (caixa-preta), além da diferenciação e forte demarcação de
duas arenas políticas separadas: a doméstica e a internacional (OKEREKE et al.,
2009, p. 59). Nesse sentido, a análise de regimes internacionais tem se concentrado
menos em variáveis domésticas e mais em fatores sistêmicos. Assim, a maioria dos
estudos tem focado o papel dos estados, deixando de lado o papel de outros atores,
com algumas exceções, como, por exemplo, o conceito de comunidades epistêmica
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
(HAAS, 1992), que revela atuação das redes transnacionais de especialistas na
formação dos regimes.
Bulkeley e Newell (2010, p. 2) argumentam que a complexidade da governança
da mudança do clima resulta de três fatores inter-relacionados: as múltiplas escalas
de processo decisório; os papéis fragmentados e mesclados de atores estatais
e não estatais; a natureza profundamente imbricada de muitos dos processos
de que se originam as emissões de gases de efeito estufa. Consequentemente, a
abordagem da governança contribui ao ir além do foco numa única área temática
e da separação entre as arenas políticas. Além disso, abre a possibilidade de
considerar o papel de outros atores.
Na compreensão de Stokke, com base no trabalho de Young, governança seria
o “estabelecimento e operação de regras de conduta que definem práticas, designam
papéis e guiam a interação para lidar com problemas coletivos” (STOKKE, 1997,
p. 28). A governança global aborda os criadores e operadores dessas regras como
sendo também atores não estatais de vários tipos, tanto transnacionais quanto
subnacionais. Portanto, a visão sobre governança global relativiza a assertiva
sobre a unicidade e racionalidade dos atores envolvidos (INOUE; PRADO, 2006).
Governança e governança global têm sido definidas de diversas formas
(ROSENAU, 1992; COMMISSION ON GLOBAL GOVERNANCE, 1995; HELD et al.,
1999; YOUNG, 2000; PATERSON; HUMPHREYS; PETTIFORD, 2003; HAAS; SPETH,
2006). Não existe ainda uma definição consensual, porém, todas trazem um
sentido de direcionamento e objetivos coletivos. Muitos autores consideram o
papel de atores estatais e não estatais e as múltiplas escalas. Held et al. (1999,
p. 50) consideram governança global como as instituições e organizações formais
por meio das quais as regras e normas que governam a ordem mundial são (ou
não) elaboradas e sustentadas (instituições estatais, cooperação intergovernamental
etc.), bem como aquelas organizações e grupos de pressão – de corporações
multinacionais, movimentos sociais transnacionais à multiplicidade de organizações
não governamentais (ONGs) – que buscam objetivos e metas que se relacionam,
em alguma medida, com regras transnacionais e sistemas de autoridade.
Para Rosenau (2000), governança se refere a comportamentos que visam
objetivos, a atividades orientadas para metas e a sistemas de ordenação, ou
seja, um conjunto de atividades apoiadas em objetivos comuns, que podem, ou
não, derivar de responsabilidades legais e formalmente prescritas. Esse conjunto
não depende necessariamente da existência de um governo, entendido como
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autoridade formal. Trata-se de um fenômeno mais amplo do que o governo. Segundo
Young (2000), a governança não pressupõe a necessidade de criar entidades, ou
organizações, mas envolve o estabelecimento e operação de instituições sociais,
entendidas como conjuntos de regras, procedimentos de tomada de decisão e
atividades programáticas que servem para definir práticas sociais e para guiar as
interações daqueles que participam dessas práticas.
Na mesma linha, Bulkeley (2005) parte de uma perspectiva de que as relações
sociais têm uma dimensão de redes, por isso, utiliza uma interpretação ampla do
termo governança, com um foco em sistemas de condução em que atores estatais
não são necessariamente os únicos ou os participantes mais significativos. A autora
não considera governo e governança como opostos, mas um contínuo de sistemas
de governar em que atores estatais e não estatais desempenham uma variedade de
papéis. Consequentemente, Bulkeley enfatiza configurações de governança que são
híbridas, envolvem uma mistura de atores estatais e não estatais e se realizam em
múltiplas escalas, incluindo, assim, simultaneamente, atores oriundos de níveis
diferentes de organização social (BULKELEY, 2005, p. 881).
Desse modo, governança não apenas inclui atores diversos, como múltiplos
níveis de organização da sociedade. Uma outra perspectiva interessante é aquela
adotada pelo Projeto Earth System Governance
9
(ESG). Bierman (2007) argumenta
que o ESG, como um projeto de pesquisa acadêmica, encontra-se na interface entre
a earth system analysis e as teorias de governança e reúne as ciências sociais, que
analisam as respostas humanas organizadas frente às transformações dos sistemas
do planeta Terra, em particular instituições e agentes que causam a mudança
ambiental global e as instituições em todos os níveis, que são criadas para dirigir
o desenvolvimento humano de uma forma, que assegure uma coevolução segura
com processos naturais.
Biermann et al. (2009) apontam que o Earth System Governance pode ser
considerado um fenômeno social, um programa político e um tema de pesquisa
composto de vários recortes. Como fenômeno, pode ser entendido como
o sistema de regras formais e informais inter-relacionadas e cada vez mais
integradas, sistemas de formulação de regras e redes de atores em todos os níveis
da sociedade humana (do local ao global) que são desenvolvidos para guiar
sociedades para a prevenção, mitigação e adaptação a mudanças ambientais
9 Conferir em <http://www.earthsystemgovernance.org/>, acesso 01 de outubro de 2010.
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
locais e globais, particularmente, a transformação do sistema terrestre, no
contexto normativo do desenvolvimento sustentável. A noção de governança
refere-se, aqui, a formas de direcionamento que são menos hierárquicas do
que a tradicional forma governamental de elaboração de políticas (ainda que
a maior parte dos arranjos modernos de governança também inclua algum
grau de hierarquia), mais descentralizadas, abertas à auto-organização e à
inclusão de atores não estatais que vão desde indústrias e organizações não
governamentais até cientistas, comunidades locais, governos municipais e
organizações internacionais. (BIERMANN et al. 2009)
10
Dessa forma, a noção de governança é mais abrangente para tratar o amplo
conjunto de respostas e as tentativas de lidar com a mudança global do clima
a partir de múltiplos atores, setores e níveis de análise, buscando identificar
interações entre economia, ambiente e segurança. Essa não exclui o conceito
de regimes internacionais (ROSENAU, 2000), mas abre o escopo da análise para
incluir outros atores e relações além dos estados e não se limita a uma esfera
singular (ROSENAU, 2000). Biermann, Pattberg e Zelli (2010, p. 1) identificam três
elementos centrais do conceito de governança global que demarcam a diferença
em relação à política intergovernamental tradicional. Primeiro, a emergência de
novos atores para além dos governos centrais, que criam um novo contexto político
com novas constelações de atores e relações de poder. Segundo, o surgimento
de novos mecanismos de estabelecimento e de implementação transnacionais
de regras, que vão além do domínio da cooperação intergovernamental, como,
por exemplo, regimes transnacionais, parcerias público-privadas e arranjos com
base no mercado. Terceiro, novos tipos de fragmentação vertical e horizontal e
interconexões na política mundial, que requerem novos entendimentos.
Em seguida, busca-se identificar algumas dimensões, que, em conjunto,
podem compor um marco conceitual para tratar a problemática da governança
do clima. Trata-se da tentativa de construir um caminho analítico que considere
as relações de poder, diversos atores, múltiplos níveis de escala de ação e de
organização social, bem como novos mecanismos e arranjos institucionais.
10 The interrelated and increasingly integrated system of formal and informal rules, rule-making systems, and
actor-networks at all levels of human society (from local to global) that are set up to steer societies towards
preventing, mitigating, and adapting to global and local environmental change and, in particular, earth system
transformation, within the normative context of sustainable development. The notion of governance refers here
to forms of steering that are less hierarchical than traditional governmental policy-making (even though most
modern governance arrangements will also include some degree of hierarchy), rather decentralized, open to
self-organization, and inclusive of non-state actors that range from industry and non-governmental organizations
to scientists, indigenous communities, city governments and international organizations.
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Dimensões analíticas do conceito de governança global do clima
Propõem-se aqui um marco analítico-conceitual que identifica dimensões-
chave na análise dos processos envolvidos na governança global do clima. A partir
da literatura, discutem-se questões relativas às relações de poder e escalas; atores
e agentes e relação agente-estrutura; tipos de arquitetura e arranjos de governança.
Esses elementos de análise estão em consonância com o proposto por Biermann,
Pattberg e Zelli (2010), que enfatizam a dimensão analítica da noção de governança
global e identificam as três tendências mencionadas acima: emergência de novos
tipos de agência e de atores, além dos governos nacionais; surgimento de novos
mecanismos e instituições de governança ambiental global, que vão além das
formas tradicionais de regimes liderados por estados e baseados em tratados; e
a crescente fragmentação e emergência de interligações de sistemas abrangentes
de governança através de níveis e esferas funcionais.
Bulkeley e Newell (2010, p. 2-3) afirmam que o entendimento limitado
da natureza global da mudança do clima resultou no foco restrito à dimensão
internacional, pois são os estados que assinam acordos e participam de instituições
internacionais. Porém, eles argumentam que se deve pensar o global como uma
categoria causal, ao invés de espacial, o que leva a um ponto de partida diferente
para pensar quem governa a mudança do clima e onde a governança acontece.
Além disso, os autores consideram que se têm negligenciado outras escalas dos
processos decisórios, que moldam as trajetórias das emissões de gases estufa e o
potencial de adaptar-se à mudança do clima. Desse modo, concebem a mudança
do clima como um problema multinível, em que diferentes níveis de tomada de
decisões (local, regional, nacional e internacional), novas esferas e arenas de
governança, que perpassam fronteiras, estão envolvidas na criação e na busca
de soluções da mudança climática.
O argumento de Bulkeley e Newell (2010) vai ao encontro da constatação de
que o processo de governar a mudança do clima resultou não apenas na participação
de um amplo conjunto de atores (de indivíduos, por meio de comunidades locais,
a organizações transnacionais), mas na emergência de arranjos relativamente
novos de governança em todos os níveis de organização social, incluindo coalizões
de governos subnacionais, redes transnacionais, parcerias público-privadas,
arranjos privados (OKEREKE et al., 2009, p. 65-66). Assim, a própria natureza
do estado e a forma como ele alcança resultados, bem como a fronteira entre
autoridade pública e privada, são questionadas (idem, p. 66). Dessa forma,
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
é importante identificar questões-chave para entender a governança do clima de
forma analítica.
Relações de poder e escalas
Okereke et al. (2009, p. 59) identificam questões que precisam ser exploradas
para se desenvolver um entendimento mais robusto da governança global do clima:
a natureza do poder na governança global, a relação entre autoridade pública e
privada, dinâmicas entre estrutura e agência, as racionalidades e processos reais
de governança (teorias neo-gramscianas e de governamentalidade foucaultiana).
Nesse sentido, esses autores propõem que se devem buscar noções alternativas
de poder e autoridade e prestar atenção nas questões de quem e o que estão
envolvidos em governança (OKEREKE et al., 2009, p. 61-63). Assim, defendem
uma concepção de poder em termos múltiplos e relacionais, ou seja, não apenas
o papel de outros grupos de atores em influenciar atores estatais, mas atores
como “governadores” em si mesmos. O poder seria, assim, “compartilhado” entre
atores, ou localizado em múltiplos lócus. Isso implica conceber poder em termos
constitutivos, relativo à organização da sociedade, estado e mercado. Além disso,
ao considerar a natureza múltipla do poder, os autores distinguem, analiticamente,
soberania e governo como formas distintas de poder. Soberania diz respeito ao
controle sobre um território e ao uso de sanções e do estado de direito como meio
de impor ações. Governo compreende a totalidade de mecanismos, técnicas e
procedimentos específicos que autoridades políticas dispõem para realizar e colocar
em prática programas (MACKINNON, 2000, p. 295 apud OKEREKE, 2009, p. 63).
Desse modo, Okereke et al. (2009) combinam duas abordagens distintas:
referem-se a Foucault para ressaltar que governo seria uma forma de poder
sobre populações, ao invés de territórios, ou seja, conjuntos de instituições,
procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas, que permitem o exercício
dessa forma específica e complexa de poder. Recorrem, também, a uma abordagem
neo-gramsciana (OKEREKE, 2009, p. 63) para chamar a atenção para formas através
das quais conhecimento e poder se constituem mutuamente para elevar atores
específicos, políticas e práticas que privilegiam uma racionalidade particular na
governança. Assim, ao reconhecer a natureza múltipla e relacional de poder, Okereke
et al. (2009, p. 65) não atribuem aos atores medidas de poder e resultados políticos
previsíveis, mas consideram fatores sociais e políticos múltiplos e dinâmicas que
conferem aos atores medidas variadas de poder em diferentes estágios. Consideram,
ainda, a possibilidade de relações desiguais de poder e interesses conflitantes,
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 91-117
103
Cristina Yumie Aoki Inoue
que podem existir mesmo quando atores, ou grupos de atores, afirmam que estão
agindo em consenso. Por último, reconhecem que a influência dos atores não é
simplesmente uma questão de onde tais atores se posicionam em termos de políticas
e programas específicos de clima, mas também de onde eles se posicionam em
relação a outros atores.
Ao considerar a governança do clima como um fenômeno fragmentado e que
ocorre em múltiplas escalas, é preciso estar atento às relações de poder e como
escalas são social e historicamente construídas. A capacidade de controlar e capturar
recursos de níveis e escalas diferentes reflete e reproduz relações de poder. Além
disso, escalas e níveis em que um problema é vivenciado, analisado e discutido
podem não corresponder a escalas e níveis dos órgãos de tomada de decisão
(TOWERS, 2000 apud LEBEL; GARDEN; IMAMURA, 2005). Nesse sentido, atores
podem contestar escalas e níveis e mudar questões para outras escalas e níveis em
que eles são mais influentes, ou têm mais poder. (LEBEL; GARDEN; IMAMURA,
2005). Os autores chamam a atenção para o que denominam “state simplification
(SCOTT, 1998 apud LEBEL; GARDEN; IMAMURA, 2005), que ocorre quando estados
apelam para interesses mais amplos para simplificar sistemas locais diversos e usam
sistemas unificados para racionalizar o planejamento do desenvolvimento e a gestão
ambiental. Tentam, assim, simplificar e encaixar pessoas, instituições, paisagens
nos níveis e escalas dos sistemas estatais de contabilidade e monitoramento. Essa
observação é fundamental quando se consideram as múltiplas fontes de emissões
de gases de efeito estufa e como estabelecer políticas para mitigar a mudança do
clima, considerando as diferenças entre os níveis local, nacional e internacional.
Na mesma direção, Gupta (2007) ressalta que, ao se enquadrar problemas em
níveis específicos, em diferentes escalas, os contornos dos problemas mudam e,
consequentemente, mudam também as soluções que são relevantes. Nesse sentido,
é preciso atentar para como processos de definição de escala e níveis estão
interligados com disputas por dominação e controle (BULKELEY, 2005), pois
formas diferentes de governança hierárquica, ou em rede, interagem e intersectam
para produzir formatos, mecanismos e resultados específicos de governança
(BULKELEY, 2005). A autora chama a atenção para o que ela denomina “geografias
de governança”, que implicam mudanças no lócus da autoridade na política global:
“política de escala é um elemento chave no entendimento na natureza do Estado e
sua autoridade, e consequentemente para a natureza da governança ambiental.”
11
(BULKELEY, 2005, p. 883).
11 Politics of scale is a key element in understanding shifts in the nature of the state and its authority, and hence
for the nature of environmental governance.
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
De acordo com Lebel et al. (2005), a metáfora “politics of scale” se refere a
situações onde atores diferentes contestam a extensão e resolução espaciais da
informação e das decisões, e as contrastam com a “politics of place and position”.
Esta última (“politics of position”) remete às relações de poder entre localizações
e depende da posição física relativa, por exemplo, as relações entre usuários de
um rio a montante e a jusante, ou de margens diferentes. A primeira (“politics of
place”) se refere aos desdobramentos das relações de poder entre stakeholders,
as quais emergem por causa das características especiais dos lugares, interagindo
acima e além daquelas que surgem dos níveis ou da posição.
Desse modo, as relações de poder na governança global do clima não podem
ser pensadas desvinculadas dos lugares e posições dos atores envolvidos. Embora a
mudança do clima e os problemas ambientais em geral sejam globais, as soluções
envolvem diferentes atores, em escalas diferenciadas e diversos níveis de tomada
de decisão. Bulkeley (2005) nos lembra que os conceitos de espaço e escala não
devem ser considerados sinônimos de “contêineres territoriais”, no interior dos
quais acontece a vida social e política, de tal forma que os níveis de tomada de
decisão são vistos como se fossem independentes e as decisões consideradas como
uma cascata que parte do nível internacional, descendo ao nacional até chegar
ao local (ADGER et al., 2003 apud BULKELEY, 2005; BULKELEY; BETSILL, 2003;
OWENS, 2004 apud BULKELEY 2005).
É fundamental considerar como as escalas espacial, jurisdicional e temporal
interagem e influenciam as relações de poder no processo da governança da
mudança climática global. As ações de atores em determinados espaços, jurisdições
e tempos afetam outros atores em outros espaços, jurisdições e tempos. Além
da complexidade científica e tecnológica do problema do clima, o processo de
definição das responsabilidades e soluções envolve relações de poder entre os
atores, que ocupam espaços e jurisdições diferentes, além dos atores em potencial
num tempo futuro.
Relação agente-estrutura, atores e agentes
Outro limite da abordagem de regimes internacionais é não atentar para o
papel da estrutura, que é entendida em sentido amplo para incluir estrutura geral
de poder e as regras, normas e princípios individuais, que moldam a política global
(OKEREKE et al., 2009, p. 68-69). Okereke et al. (2009) consideram a perspectiva
neo-gramsciana de que, embora as estruturas não determinem os resultados, elas
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Cristina Yumie Aoki Inoue
definem o conjunto potencial de estratégias alternativas entre as quais os agentes
podem escolher. No entanto, elas não são imutáveis, pois podem ser transformadas
pelos agentes. A agência é localizada na estrutura, mas não determinada por essa,
ou seja, a interação social é condicionada, mas não estruturalmente determinada
(idem, p. 69). Trata-se de reconhecer a natureza mutuamente constitutiva da
relação agente-estrutura. Forças estruturais determinam uma série de opções
disponíveis num contexto histórico, mas as estruturas dependem do acúmulo de
decisões dos atores para sua criação e perpetuação (STEANS, 2004).
Em resumo, são múltiplos os agentes da governança global do clima. Estes são
condicionados, porém, e não determinados pelas estruturas de poder. Por isso, ao
formarem novos arranjos de governança, criam possibilidades de mudanças. Avant
Finnemore e Sell (2010) definem que os agentes, ou “governadores globais”, são
autoridades que exercem poder através das fronteiras para afetar políticas. Para
elas, há cinco fontes de autoridade: institucional, delegada, expertise, baseada
em princípios, baseada em capacidades (AVANT; FINNEMORE; SELL 2010, p. 10).
Dellas, Pattberg e Betsill (2011) afirmam que agentes são aqueles que desempenham
atividades de governança e o consentimento não é a única fonte de autoridade
e legitimidade, assim, a agência é baseada na capacidade de indivíduos e atores
coletivos de mudar o curso dos eventos, ou o resultado de processos, desde que
tal capacidade se baseie em autoridade e não na força (PATTBERG; STRIPPLE,
2008, p. 273-274 apud DELLAS; PATTBERG; BETSILL 2011, p. 87).
Para facilitar as análises empíricas, é preciso delimitar o que fazem os agentes
e indicar formas de como avaliar suas ações. Avant, Finnemore e Sell (2010, p. 14-16)
definem algumas tarefas, ou atividades implícitas, realizadas pelos agentes
(governadores) no processo de governança: estabelecimento de agendas e criação
de questões
12
, elaboração de regras, implementação e imposição
13
, monitoramento
e adjudicação. Assim, “governadores globais” desempenham uma combinação
dessas atividades políticas
14
, que produzem ação coordenada na ausência de
governo mundial.
Além de identificar as tarefas, é importante avaliar o grau de envolvimento
e participação nas tarefas. Schroeder (2010) diferencia atores de agentes de
governança. Os atores podem ser indivíduos, organizações e redes, que somente
participam dos processos decisórios, porém, um agente é um ator que é capaz de
12 No original em inglês: issue.
13 No original em inglês: enforcement.
14 No original em inglês: policy making.
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
prescrever comportamentos e obter consentimento dos governados, ou seja, pode
diretamente moldar resultados (SCHROEDER 2010, p. 319-320). A autora constrói
uma tipologia que reconhece graus variados de agência, de acordo com tipos de
envolvimento em tarefas de governança.
Quadro 1: Tipologia de agência
Tipos de envolvimento no processo de políticas internacionais Graus de agência
(1) ser informado de fatos e resultados Nenhum
(2) ser consultado ou convidado a prover input ou feedback Fraco e indireto
(3) ser envolvido como um parceiro júnior, com garantias de que visões
e preocupações serão refletidas nos resultados
Forte mas indireto
(4) ser convidado a colaborar em bases iguais Fraco mas direto
(5) ser empoderado e ter autoridade de decisão Forte e direto
Fonte: INOUE, 2012, com base em Schroeder
15
(2010, p. 322) and International Association for Public Participation
IAP2 2007)
16
Em resumo, para analisar o processo de governança global do clima é
importante identificar os atores e agentes, as atividades desempenhadas e
reconhecer que a agência deve ser considerada não em termos absolutos, mas
em graus. Reconhecer que o estado não é o único agente, nem um ente unitário,
e que a governança global do clima envolve múltiplos atores, agentes e escalas,
aponta para novos mecanismos de governança e formas de cooperação, ao lado
do sistema tradicional de acordos legalmente vinculantes negociados por estados
(BIERMANN; PATTBERG; ZELLI, 2010, p. 9). São arranjos diversos, envolvendo
atores públicos e privados. Além disso, deve-se lembrar que do argumento de
Biermann et al (2010, p. 15) de que as arquiteturas de governança global do clima
são sempre, em algum grau, fragmentadas, e a questão-chave é saber que tipos
de arquiteturas prometem um grau mais alto de performance institucional em
termos de efetividade social e ambiental.
Processo de governança: arquitetura institucional e mecanismos
Após levantar dimensões de análise que rementem às relações de poder e à
questão agente-estrutura, bem como apontar elementos de análise relativos aos
15 Schroeder, referido em <http://www.iap2.org/associations/4748/files/IAP2%20Spectrum_vertical.pdf>.
16 <http://www.iap2.org/associations/4748/files/IAP2%20Spectrum_vertical.pdf>, Acesso em: 18/08/2016.
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Cristina Yumie Aoki Inoue
atores e agentes da governança do clima, faz-se necessário identificar e analisar
como o processo de governança se desenvolve. Para tal, é preciso definir e
caracterizar o que alguns estudiosos definem como arquitetura(s) institucional(is)
(BIERMANN et al., 2009). Arquitetura institucional diz respeito à forma como
princípios, normas, regras, procedimentos e organizações são arranjados e se
relacionam entre si. Outra dimensão importante da análise são os mecanismos
e arranjos construídos entre os atores. Alguns autores apontam para redes
de governança (PATTBERG, 2010). Outros identificam formas de governança
policêntrica (OSTROM, 2010). Biermann, Pattberg e Zelli (2010) argumentam
que novos mecanismos de governança do clima têm surgido com atores públicos
e privados. Mais especificamente, podem-se identificar redes de governança
(PATTBERG, 2010) ou formas de governança policêntrica (OSTROM, 2010a, 2010b).
Arquiteturas de governança: fragmentação e integração
Arquitetura de governança global é definida por Biermann et al. (2010) como
o arcabouço amplo de instituições públicas e privadas, isto é, organizações, regimes
e outras formas de princípios, normas, regulações e procedimentos de tomada de
decisão que são válidos ou ativos numa determinada área (issue area) da política
mundial. Arquitetura pode ser definida como o metanível da governança, no
entanto, o foco numa área (issue area) torna o conceito mais estreito do que o de
ordem, embora ambos compartilhem um foco no arcabouço geral de governança,
que vai além de regimes singulares. A noção de ordem se refere ao sistema de
relações internacionais como um todo e a de arquitetura é mais apropriada para
áreas distintas de governança global. Ordem é um conceito com viés mais otimista.
Arquitetura é mais “neutro” e, por isso, também considera efeitos disfuncionais
e não pretendidos (BIERMANN et al., 2010, p. 16)
17
.
Biermann et al. (2010) afirmam que a fragmentação é uma característica
geral das arquiteturas de governança global. A utilização dessa noção permite a
comparação entre domínios de políticas diferentes. Muitos domínios de políticas
18
nas relações internacionais não são muito regulados, e frequentemente não
dominados por um único regime internacional no sentido tradicional. Outros
domínios são, ao contrário, caracterizados por um patchwork de instituições
internacionais, que são diferentes em seu caráter (organizações, regimes e normas
17 Tradução livre da autora.
18 No original em inglês: policy domains.
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
implícitas), suas constituencies (pública e privada), escopos espaciais (do bilateral
ao global) e matérias substantivas (de campos políticos específicos a preocupações
universais). Essa situação corresponde à noção de arquiteturas de governança
fragmentadas. Na perspectiva dos autores, o processo de governança do clima
pode ser caracterizado por uma arquitetura fragmentada.
Ao constatar que as arquiteturas são em geral fragmentadas, Biermann
et al. (2010, p. 17) enfatizam três pontos. Primeiro, o termo fragmentação é
utilizado como um conceito relativo, ou seja, supõe-se que todos os arranjos
são fragmentados em algum grau, assim, consistem em partes distintas, que
raramente, ou quase nunca, são totalmente interligadas e integradas. Arquiteturas
não fragmentadas e universais são teoricamente possíveis de serem concebidas
como opostas à fragmentação; uma arquitetura seria universal se todos os países
relevantes naquela área temática estivessem sob o mesmo marco regulatório;
participassem do mesmo processo decisório e concordassem com um núcleo
comum de compromissos. Empiricamente, tal situação é difícil de visualizar na
política mundial contemporânea. Segundo, o uso dos conceitos de arquitetura e de
fragmentação não implicam um juízo de valor, não se pressupõe que haja um estado
a priori de ordem universal, ou uma tendência universal em direção à ordem, nem
que haja um arquiteto. Na maior parte dos casos empíricos, arquiteturas resultam
de processos incrementais de institucionalização, decentralizados e raramente
planejados. Terceiro, pesquisas empíricas sobre fragmentação de arquiteturas
de governança global dependem da escala percebida do problema. Quanto
maior a escala percebida do problema, maior o grau de fragmentação provável
(BIERMANN et al., 2010, p. 17).
Além disso, Biermann et al. (2010, p. 18) propõem uma tipologia de
fragmentação para analisar as arquiteturas de governança em termos de três
características: a) grau de aninhamento institucional
19
e sobreposições entre
sistemas de tomada de decisão, ou seja, se o arranjo institucional é baseado em
uma única instituição-chave, com outras instituições fortemente integradas, ou se
ele se organiza em torno de algumas instituições-chave com outras instituições
frouxamente integradas, ou, então, constitui-se de instituições não relacionadas; b)
existência e grau de conflitos entre as normas institucionais; c) tipo de constelação
de atores. Com base nessas três características, eles apresentam três tipos de
fragmentação (BIERMANN et al., 2010, p. 18-19):
19 No original em inglês: institutional nesting.
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Cristina Yumie Aoki Inoue
1) sinergética, em que as instituições do núcleo incluem quase todos os países
e provêm arranjos gerais detalhados e efetivos (círculos concêntricos – por
exemplo, arquitetura de governança do ozônio);
2) cooperativa, quando uma área se caracteriza por: i) diferentes instituições
e processos decisórios frouxamente integrados; ii) a instituição central não
compreende todos os países que são importantes naquela área; e iii) a relação
entre normas e princípios de diferentes instituições é ambígua. Apesar dessas
três características, a integração geral na arquitetura da governança da área
é suficiente para evitar conflito aberto. Assim, políticas na mesma área são
definidas, decididas e motivadas por meio de diferentes instituições: de um
lado, as centrais; e, de outro, países individuais, que não são parte dessa
instituição. Porém, a integração global na arquitetura de governança na
área é suficiente para prevenir conflitos abertos entre instituições diferentes.
Exemplo, relação entre UNFCCC e o Protocolo de Kyoto.
3) fragmentação conflitiva se caracteriza por diferentes instituições que são:
a) pouco conectadas e/ou têm processos de tomada de decisão diferentes
ou não relacionados; b) têm conjuntos conflitantes de princípios, normas
e regras; e c) têm membresias diferentes e/ou são dirigidos por coalizões
de atores, que aceitam, ou mesmo estimulam esses conflitos. Exemplo:
regulação de acesso e repartição de benefícios de recursos genéticos: dois
regimes tentam regular essa questão, a Convenção sobre Diversidade
Biológica e o TRIPS (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual
Property Rights), sob a Organização Mundial do Comércio.
A noção de arquitetura de governança e os tipos de fragmentação apresentados
se aproximam da perspectiva de Keohane e Victor (2010) sobre complexo de
regimes, que propõem um contínuo para localizar regimes (integrado, complexo,
aninhados e desintegrados). Contudo, tal perspectiva, além de não considerar
múltiplos atores e níveis, não permite análises comparativas, como proposto por
Biermann et al. (2010) com a criação de uma tipologia de fragmentação. Além
disso, o conceito de complexo de regimes não leva em conta conflitos nem a forma
como os atores da constelação intencionalmente buscam fragmentar a arquitetura
de governança. Biermann et al. (2010, p. 21) argumentam que a fragmentação da
arquitetura de governança do clima é intencional. Assim, por exemplo, a Parceria
Ásia-Pacífico (APP) e propostas similares, patrocinadas pelos EUA, foram criadas
não por ignorar o regime do clima, mas por causa dele.
110
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
A perspectiva de arquiteturas de governança (BIERMANN et al., 2010) contribui
para visualizar, relacionar e analisar todas as instituições internacionais que
regulam uma determinada área. Ao considerar as arquiteturas como fragmentadas
e definir tipos de fragmentação, essa perspectiva contribui para avançar na
construção de um marco analítico para governança do clima, porém, por partir
da noção de áreas temáticas
20
, corre o risco de ser limitadora se não considerar as
interações entre domínios políticos diferentes como, por exemplo, as interações
entre clima, economia e segurança.
Redes de governança
Pattberg (2010, p. 146-148) aponta para a formação de redes de governança
do clima, que operam sob lógicas diferentes quando comparadas com outros
tipos de organizações sociais, como mercados e hierarquias. Redes são definidas
como interconexão de três ou mais entidades comunicantes. Seus componentes
estruturais incluem indivíduos e organizações e, seus processos, comunicação e
formas mais gerais de troca. Ele classifica as redes de governança em três tipos
fundamentais, de acordo com as categorias de atores envolvidos: primeiro, redes
públicas, que excluem o Estado como um ator unitário central; segundo, redes
híbridas de atores da esfera pública e privada; terceiro, redes totalmente privadas,
que incorporam lógicas pró-lucro, ou sem fins lucrativos. Ademais, o autor vai
além da noção de que políticas públicas são responsabilidade unicamente de
governos. Governança em rede é vista como um complemento, ou inovação
gradual, de formas mais antigas de fazer política.
De acordo com Pattberg (2010, p. 147), o conceito de redes de políticas
21
se
refere à produção de políticas públicas por meio de interações relativamente estáveis
e definidas de atores divergentes numa área política específica, ou seja, arranjos de
governança policêntricos, que integram interesses em competição de atores numa
estrutura horizontal. Assim, redes de governança climática, que reúnem empresas,
sociedade civil e governos em um arranjo, combinam lógicas que normalmente
se supõem separadas e transcendem a política
22
centrada no Estado e baseada em
territórios (PATTBERG, 2005, apud OKEREKE et al., 2009, p. 66).
20 No original em inglês: issue area.
21 No original em inglês: policy networks.
22 No original em inglês: politics.
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Cristina Yumie Aoki Inoue
Governança policêntrica
A abordagem de fragmentação da arquitetura de governança (BIERMANN
et al., 2010) pode ser complementada pela noção de governança policêntrica
de Ostrom (2010). A autora propõe uma noção de governança de common pool
resources (CPR)
23
, além do Estado e do mercado. Ostrom (2010a) questiona as
teorias de governança, que se baseiam nos dilemas de ação coletiva ou dilemas
sociais. Essas teorias partem da noção de ator racional e defendem a necessidade
de um ator externo (governo) para impor regras, ou seja, um agente central para
ajudar a superar a tendência do ator racional à não cooperação. Com base em
experimentos/simulações e pesquisa empírica extensa, Ostrom (2010a) constata
que em várias localidades ao redor do globo os casos de auto-organização dos
usuários de CPRs evidenciam uma forma de governança que Ostrom denomina
policêntrica. Ostrom (2010) acredita que indivíduos, em determinados contextos
de interação, podem superar dilemas sociais e construir arranjos de governança de
CPRs. Assim, a noção de governança policêntrica implica a existência de muitos
centros de decisão que são formalmente independentes.
Na perspectiva da autora (OSTROM, 2010a, p. 653), além do contexto da
interação, o que faz diferença é o desenho institucional. Ela elenca alguns tipos
de regras dos arranjos locais de governança de CPR que devem estar presentes:
definição dos usuários
24
, fronteira dos recursos, congruência com condições locais,
apropriação e provisão, arranjos de escolha coletiva, monitoramento dos usuários,
monitoramento dos recursos, sanções gradativas, mecanismos de soluções de
conflitos, reconhecimento mínimo de direitos, empreendimentos aninhados.
Ostrom (2010b), em outro estudo, propõe uma abordagem alternativa para
tratar a problemática da mudança do clima com base na noção de governança
policêntrica. De acordo com a autora (2010b), políticas adotadas somente numa
escala global não devem gerar confiança suficiente entre cidadãos e firmas, de
forma que a ação coletiva possa acontecer para reduzir efetivamente o aquecimento
global. Ostrom (2010b) acredita que não se pode esperar uma solução mundial
única para a questão climática, nem que um único país, por mais rico que seja,
23 Common-pool resources (CPR)são aqueles que compartilham o atributo de subtractibilidade com bens privados
e a dificuldade de exclusão com bens públicos. Florestas, sistemas hídricos, pesqueiros e a atmosfera global
são todos CPR de grande importância para a sobrevivência de humanos na Terra. (OSTROM; OSTROM 1977
apud OSTROM 2010a, p. 645).
24 No original em inglês: user boundaries.
112
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 11, n. 1, 2016, p. 91-117
Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
possa resolver a questão. Sua maior crítica está na longa espera por (e a ênfase
excessiva em) uma solução global, como se fosse o único caminho a percorrer. Para
a autora, soluções globais negociadas no nível global, se não foram sustentadas
por uma variedade de esforços nacionais, regionais e locais, não devem funcionar
(OSTROM, 2010b, p. 4). Assim, Ostrom (2010b, p. 13-14) advoga o foco em
múltiplas escalas, considerando os benefícios globais gerados por ações locais
para reduzir emissões.
Em suma, a dimensão analítica que foi discutida refere-se aos princípios,
normas e regras acordados e às formas como os diversos atores e agentes interagem,
tomam decisões, dividem tarefas e responsabilidades e constroem parcerias através
de diversos níveis: subnacional, nacional, transnacional, regional e internacional
– do local ao global. A emergência de múltiplos atores resulta em novos arranjos
institucionais, ou arquiteturas de governança global do clima. Pode-se apontar
também para mecanismos, redes ou governança policêntrica.
Conclusões
As várias perspectivas sobre governança global do clima fornecem elementos
para a análise de arranjos estatais, não estatais e híbridos, em múltiplos níveis,
para responder às mudanças do clima. Este artigo buscou fornecer um esquema
analítico que combina elementos de correntes teóricas, ou programas de pesquisa
diversos, ou seja, uma abordagem epistemológica pragmática e metodologicamente
próxima ao ecletismo analítico (FRIEDRICHS; KRATOCHWIL, 2009). Trata-se de
um marco em construção para analisar processos de governança climática, com
a consciência de que tal marco será sempre provisório.
Desse modo, para analisar respostas diversas à problemática da mudança
global do clima, é importante considerar a dimensão do poder e suas múltiplas
escalas. Propôs-se uma perspectiva de poder em termos constitutivos, sua natureza
múltipla e a diferenciação entre soberania e governos como formas distintas de
exercer poder (OKEREKE et al., 2009). Essa consideração de poder permite analisar
mecanismos, técnicas e procedimentos específicos de governança climática, além
de buscar compreender as escolhas por determinadas alternativas em detrimento
de outras. Leva, ainda, a reconhecer as assimetrias e interesses conflitantes dos
atores, sem, contudo, atribuir medidas de poder e resultados políticos previsíveis.
Trata-se de reconhecer que as estruturas limitam ou condicionam as alternativas
e possibilidades dos atores, porém, não as determinam, havendo margem para
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Cristina Yumie Aoki Inoue
mudanças. Além disso, ao analisar as relações de poder através de níveis e escalas,
compreendem-se melhor questões relativas a espaços, lugares, posições e tempo.
Quanto aos atores, ou agentes, é importante atentar para a formação dos
três tipos de redes de governança do clima, propostas por Pattberg (2010): redes
públicas, que excluem o estado como um ator unitário central; redes híbridas de
atores da esfera pública e privada; redes totalmente privadas, que incorporam
lógicas pró-lucro e sem fins lucrativos. Essas, segundo o autor, refletem a
transformação do processo de formulação e implementação de políticas públicas
nas sociedades modernas, em que aumenta a autonomia subsistêmica no interior
do estado nação. Além disso, a distinção entre atores e agentes e a noção de graus
de agência (SCHROEDER, 2010), bem como as categorias de tarefas de governança
propostas por Avant et al. (2010), são úteis para a análise empírica dos processos
de governança do clima.
Poder e agência resultam em arranjos institucionais diversificados. A tipologia
proposta por Biermann et al. (2010) pressupõe que todos esses são fragmentados.
Assim, a tipologia de fragmentação dos autores contribui com a análise por
considerar três características-chave: a relação entre as instituições formais, os
conflitos entre suas normas e a constelação de atores. Isso leva a identificar o
caráter da fragmentação, se ele se encontra mais marcado por sinergia, cooperação
ou conflito. Na mesma direção, porém, dando ênfase ao nível local e à noção de
governança policêntrica, Ostrom (2010) argumenta, com base no estudo de uma
série de casos e também em simulações, que os dilemas de ação coletiva podem
ser superados, sendo que arranjos institucionais bem-sucedidos na governança de
CPR dependem do contexto de interação (possibilidade de comunicação e confiança
entre os atores) e os tipos de regras estabelecidas: definição dos usuários, fronteira
dos recursos, congruência com condições locais, apropriação e provisão, arranjos
de escolha coletiva, monitoramento dos usuários, monitoramento dos recursos,
sanções gradativas, mecanismos de soluções de conflitos, reconhecimento mínimo
de direitos, empreendimentos correlacionados (aninhados).
Por fim, vale lembrar que níveis e escalas dos arranjos de governança são
histórica e socialmente construídos, refletem relações de poder constitutivo,
assim, ao mesmo tempo, podem limitar ou expandir as possibilidades dos atores.
A natureza do problema da governança da mudança global do clima é complexa,
por isso, qualquer marco analítico será limitado. Entretanto, faz-se necessário
encontrar caminhos para analisar e propor soluções. A escolha dessas categorias de
análise reflete considerações normativas, como o reconhecimento da urgência do
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Governança global do clima: proposta de um marco analítico em construção
problema, o descompasso entre a ciência e o processo político e a necessidade de
participação de múltiplos atores nesse processo. Quanto ao conteúdo das normas e
regras, esse deve refletir princípios globais já consagrados, como sustentabilidade,
equidade, democracia e transparência, bem como princípios a serem desenvolvidos
e negociados, que interrompam o processo de transgressão dos limites planetários
e levem a sociedades sustentáveis e pós materialistas.
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