
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 12, n. 2, 2017, p. 30-54
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Bruno Gomes Guimarães
institucionalização da sociedade internacional
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tal como ela era em 1945 (PARRAT,
2014). A ordem internacional da época se fundamentava nos princípios normativos
do sistema de Westfália, ou seja, na soberania nacional, na não interferência em
assuntos domésticos, na independência e nos interesses nacionais. Ela caracterizava-
se por tais instituições
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que garantem um sistema de Estados independentes que
procuram evitar interferir em assuntos internos e conter as ambições de outros
Estados através de uma balança de poder (KISSINGER, 2014). A Carta da ONU
representa o reconhecimento dessas instituições e normas westfalianas por parte
dos Estados-membros. De um lado, a Assembleia Geral garantiu a igualdade
soberana dos Estados. Por outro, o Conselho de Segurança das Nações Unidas
(CSNU) é o órgão que cimentou a importância da manutenção de determinada
balança de poder entre as grandes potências como modo de garantir a paz no
mundo.
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Então, é possível notar que a organização cristalizou e simboliza algumas
das principais instituições que mantêm a estabilidade da ordem internacional: o
gerenciamento da ordem pelas grandes potências; o equilíbrio de poder; a soberania
e não intervenção; o direito internacional; e a própria diplomacia (PARRAT, 2014).
A analista Charlotta Parrat (2014) nota que a inter-relação dessas instituições no
seio da ONU é muitas vezes conflituosa — entre a hierarquização de Estados
(grandes potências estando acima dos demais) e a completa equivalência entre
eles (a igualdade soberana) —, o que fica evidenciado nos debates da reforma da
organização. A autora explica que o choque entre essas instituições cria impasses,
ainda que recentemente uma nova instituição venha sendo usada para mediação:
a representação regional (ou igualdade entre regiões) (PARRAT, 2014).
4 Sociedade internacional é “um grupo de Estados (ou, mais geral, um grupo de comunidades políticas
independentes) que não apenas forma um sistema, no sentido de que o comportamento de cada um é um fator
necessário para os cálculos dos outros, mas que também estabeleceu através do diálogo e do consenso regras
e instituições comuns para a conduta de suas relações e que reconhece seu interesse comum em manter esses
arranjos” (BULL; WATSON, 1984, p. 1 apud DUNNE, 2013, p. 6).
5 Instituições internacionais são hábitos e práticas que tomam forma para a realização de objetivos comuns dos
Estados e ajudam a tornar as normas internacionais mais efetivas (BULL, 2002). Para uma discussão ampla
da escola inglesa sobre as instituições primárias que sustentam a ordem internacional, ver Bull (2002), Buzan
(2014) e Schouenborg (2014). Nessa concepção, a ONU seria uma instituição secundária (SCHOUENBORG, 2014).
6 De fato, é esse balanceamento entre normas e poder que está no cerne da ordem global. Kissinger (2014) diz
que a estabilidade de uma ordem internacional depende do equilíbrio alcançado entre legitimidade e poder:
um conjunto de regras que define o que é permitido fazer e que seja aceito por todos, por um lado, e uma
balança de poder que sirva para conter as situações em que essas regras são violadas, por outro. Esse equilíbrio,
no entanto, não é estático e, se bem gerenciado, garante que mudanças na ordem mundial ocorram de forma
gradual e sem grandes conflitos (KISSINGER, 2014). De forma semelhante, Hedley Bull (2002) nota que, para
ser duradoura, a ordem internacional deve, em alguma medida, responder a demandas por mudanças tidas
como justas e, por outro lado, a exigência dessas mudanças deve levar em conta a manutenção da ordem.