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127Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
A influência do complexo industrial-militar na
Política Externa dos Estados Unidos da América
após os atentados do 11 de Setembro
1
The influence of the military industrial complex on
the Foreign Policy of the United States of America
after the attacks of September 11
DOI: 10.21530/ci.v14n1.2019.866
Elias David Morales Martinez
2
Thaís Regina Servidoni
3
Resumo
O presente artigo analisa as influências do complexo industrial-militar (CIM) na tomada
de decisões dos policymakers estadunidenses e o posterior aumento do orçamento militar
no início do século XXI, a partir dos atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001. Além
disso, pretende-se discorrer sobre a legitimação da securitização da defesa e da consequente
adoção de uma política externa constantemente militarizada, justificada pela Guerra Global
Contra o Terror, a qual é subsidiada pelos trabalhos desenvolvidos por alguns think tanks
específicos e que são financiados pelo CIM, sendo disseminadas as ideias securitizantes nos
discursos dos principais stakeholders governamentais.
Palavras-chave: Complexo Industrial-Militar; Securitização da Defesa; Política Externa
Americana; Guerra Global Contra o Terror.
1 Esta pesquisa contou com o apoio do CNPq/CAPES.
2 Professor Adjunto Universidade Federal do ABC – UFABC. Professor do Curso de Relações Internacionais, da
Pós-Graduação em Ciências Humanas e Sociais e Vice-coordenador da Pós-Graduação em Relações Internacionais
– UFABC. Dr. Integração da América Latina, PROLAM/USP. Mestre em Relações Internacionais, Universidade
de Brasília – UnB. Cientista Político, Universidad Nacional de Colômbia.
3 Bacharel em Ciências e Humanidades – Universidade Federal do ABC. Bacharel em Relações Internacionais –
Universidade Federal do ABC. Consultora de Relações Governamentais – Concordia Public Affairs Strategies
São Paulo.
Artigo submetido em 26/11/2018 e aprovado em 24/04/2019.
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128 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Abstract
The present paper analyzes the influence of the Military-Industrial Complex on the decision-
making of the US policymakers and the consequent increase in the military budget in the
period that covers the beginning of the 21st century, from the terrorist attacks of September
11. In addition, we intend to discuss the legitimacy of the securitization of defense and the
consequent adoption of a constantly militarized foreign policy justified by the global war
on terror, which is subsidized by the work developed by some specific think-tanks that are
financed by the Military-Industrial Complex, being disseminated the securitization ideas
through the main governmental stakeholder’s speeches.
Keywords: Military-Industrial Complex, Defense Securitization, US Foreign Policy, Global
War on Terror.
Introdução
Este artigo tem como cerne analisar o poder de influência do complexo
industrial-militar (CIM) dos Estados Unidos e verificar as suas implicações na
formulação da política externa, especificando seu surgimento e sua importância
como um dos eixos centrais da economia norte-americana. Além disso, apontamos
como os atentados de 11 de setembro de 2001 implicaram o aumento maciço dos
investimentos militares por parte do governo, remontando a picos do período
da Guerra Fria, justificando-se por meio da securitização da defesa nacional e da
consequente Guerra Global ao Terror.
Analisa-se também a interdependência existente entre governo, o complexo
industrial-militar e os principais think tanks com relação à formulação de
políticas e estratégias de defesa. Os think tanks são genericamente definidos
como organizações independentes e autônomas que conduzem pesquisas visando
disseminar suas ideias para promover a formulação de políticas. Porém, a ideia
de um think tank independente é um ideal comprometido devido às necessidades
dessas organizações por financiamentos. Além disso, essas organizações interagem
em cenários bastante adversos, coexistindo no meio de diversos tipos de pressões
e jogos de interesse domésticos e externos (McGann; Jonhson, 2005).
Parte do levantamento bibliográfico foi dedicado à pesquisa documental, tendo
em vista que os dados necessários para o mapeamento foram obtidos diretamente
dos relatórios desenvolvidos pelo Departamento de Estado e pelo Departamento de
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129Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
Defesa dos EUA, os quais trazem informações e dados relevantes para entender a
dinâmica do orçamento militar. Além disso, a análise de discursos de presidentes
e dos principais atores governamentais envolvidos com a temática em questão foi
utilizada, tendo em vista que explicitam as posições desses últimos no que tange
à imbricação das questões de segurança, política externa e defesa.
Parte-se do pressuposto de que a legitimação da Guerra Global ao Terror
possibilitou ao governo norte-americano aumentar os gastos com o orçamento
militar, os quais estavam em declínio desde o início da década de 1990, portanto,
tem-se como hipótese que interesses corporativos do complexo industrial-militar,
assim como interesses estratégicos de governantes, beneficiam-se dessa retomada
do aumento do orçamento militar para agir em prol das vantagens possibilitadas
sob a retórica de Guerra Global ao Terror.
Haja vista os pontos relatados acima, é de extrema relevância averiguar a
influência e poder que o CIM exerce sobre o Congresso americano e consequentemente
sobre a política externa dos Estados Unidos. Faz-se imprescindível analisar a
dinâmica da relação entre think tanks, CIM e Congresso e de que forma esse
conjunto afeta a segurança internacional, tendo em vista a necessidade da existência
de ameaças constantes e a abrangência do conceito de guerras preventivas
contra o terrorismo, as quais abalam os princípios de soberania das nações e de
autodeterminação dos povos, elementos que até hoje têm se constituído como
alicerces do direito internacional e de referência fundamental para a procura da
paz e segurança mundiais.
O pós-11 de Setembro e a Guerra Global ao Terror
O período que se estende da Primeira Guerra Mundial ao término da Segunda
Guerra Mundial foi marcado por grandes mudanças na esfera internacional, tanto
no campo político e econômico como no equilíbrio de poder entre as nações.
A Europa, extremamente fragilizada, perdera sua posição hegemônica para os
Estados Unidos, que saíram vitoriosos não apenas moral e política, como também
economicamente do conflito, assumindo um compromisso com a construção de
uma nova ordem mundial, estimulada pela fundação da Organização das Nações
Unidas e pelos acordos de Bretton Woods.
Haja vista que o dispêndio militar durante a Segunda Guerra Mundial teve
efeitos positivos gigantescos na economia norte-americana, pode-se extrair disso
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
130 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
que a trajetória da hegemonia estadunidense está intimamente relacionada à
importância econômica do complexo industrial-militar (CIM) para o país. No
período analisado nesse artigo, o CIM desempenha um papel crucial no curso de
desenvolvimento dos Estados Unidos como potência e, concomitantemente, exerce
grande influência sobre a estrutura decisória de política externa que, gradualmente,
está centrada no Pentágono e nos interesses de um setor da elite norte-americana.
De acordo com Dunne e Sköns (2009), não há uma definição conceitual clara do
CIM, o conceito tende a ser mais descritivo do que analítico. Argumenta-se que
o CIM deve ser analisado como uma coalização de interesses e que o foco deve
estar nas combinações estruturais que se desenvolveram entre esse ator privado,
as Forças Armadas e o governo. Embora o CIM não seja um conceito teórico
claro, a sua existência e seu poder de influenciar a trajetória dos gastos militares
americanos é evidente. Existem algumas semelhanças com outros “complexos
industriais” em áreas como saúde e educação, mas há diferenças importantes,
em particular o fato de que a indústria de armas produz os meios para violência.
Mills (1969) já alertava, à época, para a existência de uma constelação
de interesses, formada por poderosos atores políticos e econômicos que se
beneficiavam do contínuo aumento com os gastos militares no país. De acordo
com a análise de Wolfe (1979), tais atores influenciaram, durante toda a Guerra
Fria, a percepção americana sobre a ameaça que a União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas (URSS) representava aos valores e interesses americanos. Essa influência
fica explícita nos relatórios NSC-68, publicados durante a presidência Truman,
em 1950, e Gaither Report, editado sob o governo Eisenhower, em 1957, dois
importantes documentos que disseminavam a visão mais negativa possível da
União Soviética, implementando políticas de ataque e defesa para aumentar o
orçamento militar apoiado pela opinião pública, a qual temia o “futuro vermelho”
que os relatórios supracitados previam. “Futuro” esse que seria inevitável caso
os Estados Unidos não se posicionassem e agissem rapidamente.
O presidente Eisenhower, em seu famoso discurso de despedida no ano de
1961, já alertava a sociedade americana para o perigo que a crescente influência
do CIM representava aos interesses e valores da nação, haja vista que tais atores
estavam tornando-se cada vez mais fortes e expandindo seu escopo de atuação
para todos os órgãos do governo.
Essa conjunção de um imenso establishment militar e uma grande indústria de
armas é nova na experiência estadunidense. A influência total – econômica,
política e, até mesmo, espiritual – é sentida em cada cidade, em cada legislativo
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
131Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
estadual, em cada gabinete do Governo Federal (EISENHOWER, 1961, p. 1038,
tradução livre)
4
.
Quando Eisenhower proferiu o referido discurso, o principal inimigo a ameaçar
a segurança dos Estados Unidos, a paz e a liberdade seria o comunismo soviético,
porém, apesar do fim da Guerra Fria, do desmantelamento da URSS e da provel
nova ordem unipolar, houve, ao menos nos momentos iniciais dessa nova década,
uma continuidade da agenda militar tradicional, mesmo com a ausência de um
novo conflito. Essa agenda era sustentada pelo trabalho dos think tanks, os quais
eram financiados por empresas militares ou apoiados pelo Departamento de Estado
norte-americano, logo, a qualidade do trabalho de suas pesquisas poderia ser
questionável pelo fato de não ser imparcial (WALT, 1991).
Com os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, houve uma grande
concentração das atenções dos governantes ocidentais para um tipo particular
de crime político transnacional, majoritariamente focado em grupos islâmicos
extremistas. É contra esse tipo específico de terrorismo que a Guerra ao Terror,
impulsionada pelo presidente Bush, propõe-se a combater, designando tais grupos
como representação do maior desafio à manutenção da segurança internacional
do início do século XXI. Dessa forma, os atentados e a consequente existência
de uma constante ameaça externa funcionaram como pretexto para uma nova
escalada dos gastos militares, os quais alcançariam os picos registrados no período
da Guerra Fria.
Destaca-se, nesse momento, a existência de uma relação tênue, ainda que
sólida, entre: 1) a securitização da defesa legitimada pelos discursos de George
W. Bush; 2) os objetivos do Estado na Guerra Contra o Terror; 3) a nova agenda
de militarização e aumento do orçamento militar; 4) o lobby do complexo militar-
industrial; e 5) a influência que as pesquisas e recomendações dos think tanks
exercem sobre a política externa norte-americana.
De acordo com Cox (2014), após o 11 de setembro de 2001, o CIM ampliou
ainda mais sua influência na estruturação dos gastos militares dos Estados Unidos.
O que torna necessário destacar que as corporações que fazem parte desse
complexo, como a Lockeheed Martin, BAE e Raytheon, dependem da venda de
materiais bélicos para expandirem e consequentemente aumentarem seus lucros.
4 This conjunction of an immense military establishment and a large arms industry is new in the American
experience. The total influence-economic, political, even spiritual--is felt in every city, every State house, every
office of the Federal government.
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132 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Por outro lado, a economia norte-americana depende, de certa forma, desse setor
para prosperar e manter empregos. Essa interdependência corrobora para que as
decisões, no que tange à agenda de política externa americana, estejam diretamente
atreladas aos interesses do complexo militar-industrial.
Os ataques terroristas de 11 de Setembro e suas repercussões
imediatas
Em 11 de setembro de 2001 aconteceram os atentados terroristas nos Estados
Unidos da América, nos quais três aeronaves sequestradas colidiram com o World
Trade Center e com o Pentágono, e “as estimativas do total de vítimas giram em
torno de 3000 mortos, o que poderia ser classificado como o dia de maior perda
de vidas na história americana” (CAMERON, 2002, p. 134, tradução livre)
5
.
As conceituadas agências de inteligência norte-americanas foram acusadas
de falhas extremas. A segurança dos aeroportos também foi colocada em xeque
pela falta de coordenação, assim como o governo foi considerado culpado por não
impedir os atentados. A resposta dos americanos aos ataques envolveu uma mistura
de medo, determinação e patriotismo, o que é nítido quando o então presidente
George W. Bush, em seu discurso no Congresso americano em 20 de setembro
de 2001, explicitou que, em resposta aos ataques, o governo americano não faria
distinção entre os terroristas que cometeram esses atos e quaisquer outros que
fossem direta ou indiretamente coniventes com o mesmo. O presidente George W.
Bush prometeu uma “cruzada” contra o terrorismo, contudo os termos “guerra”
e “cruzada” talvez tenham sido desafortunados, na medida em que criaram uma
percepção de que o terrorismo é um mal que pode ser erradicado ao invés de
considerá-lo como um fenômeno complexo com muitos fatores a serem analisados.
Na Guerra Contra o Terror ganha destaque o uso de estratégias militares em
detrimento da diplomacia, meios econômicos ou políticos. “Washington deixou
bem claro que não só estava pronto para usar a força em retaliação por atos
de terrorismo, mas que tem as melhores capacidades militares do mundo para
tal tarefa” (CAMERON, 2002, p. 143, tradução livre)
6
. De acordo com dados do
5 The estimates of the total number of victims revolve around 3000 dead, which could be classified as the day
of greatest loss of life in American history.
6 Washington made it clear that it was not only ready to use force in retaliation for acts of terrorism, but that it
has the best military capabilities in the world for such a task.
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133Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
Departamento de Estado americano, logo nos primeiros anos do século atual,
verificou-se, após uma década de declínio, uma mudança na trajetória dos gastos
com orçamento militar dos Estados Unidos da América. A chamada Guerra Contra
o Terror intensificou essa mudança, impulsionando o governo norte-americano a
investir maciçamente no setor militar de defesa nacional.
Gráfico 1 – Alteração na trajetória dos Gastos Militares dos EUA
no início do século XXI (milhões de dólares)
0
10
0
20
0
30
0
40
0
50
0
60
0
70
0
800
1989
1990
1991
1992
1993
1994
19
95
19
96
19
97
19
98
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
2008
2009
2010
2011
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do SIPRI– Military Expenditure Database (2018).
De acordo com Pecequilo (2013), os ataques de 11 de Setembro não alteraram
o equilíbrio de poder mundial naquele momento, contudo, tiveram efeitos tanto em
âmbito interno quanto externo. Houve, a partir disso, uma onda neoconservadora
que construiu um novo inimigo, qual seja, o fundamentalismo islâmico de
caráter transnacional. Motivado no combate a essa ameaça, George W. Bush
implementou o Ato Patriota, em 2001, que consistiu em uma lei de combate ao
terror, permitindo a prisão de suspeitos de ataques terroristas, espionagem de
civis, prisão sem direito a advogado e autorização para interrogatórios mais duros,
ou seja, legalizando em certa medida a tortura. Para amparar essas ações, foram
criados o Departamento de Segurança Doméstica e o Comando do Norte, ambos
em 2001. A Guerra Global Contra o Terror gerou duas guerras na primeira década
do século, uma no Afeganistão, na qual os alvos eram a Al-Quaeda de Bin Laden
e o Talibã; e no Iraque, cujo algo era Sadam Hussein.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
134 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Em seu discurso em maio de 2002, na Academia de West Point, George W.
Bush deu início à doutrina que designou um suposto Eixo do Mal, conformado por
Estados chamados de falidos e bandidos, países que, de certa forma, protegeriam
grupos terroristas e tenderiam a produzir armas de destruição em massa. Em um
primeiro momento, os Estados que se enquadravam no designado eixo foram
Coréia do Norte, Irã e Iraque. Posteriormente, foram incluídos também Cuba,
Líbia e Síria.
No mesmo ano, consolidou-se a Doutrina Bush, através da promulgação da
Estrategia Nacional de Segurança,
7
estabelecendo-se então o terrorismo como
inimigo e a introdução do conceito de prevenção como referencial de ação. Os
objetivos principais da NSS-2002 eram o combate militar aos inimigos, destituir
regimes não democráticos e implantar a democracia, impedindo ataques similares
aos de 11 de Setembro.
De acordo com Pimentel (2013), nesse cenário de crescente instabilidade,
a segurança internacional passa a abarcar novos elementos e concepções que
ampliam seu sentido cognitivo. É impressionante o substancial aumento dos
gastos militares no período pós-11 de Setembro, visto que, desde 2001, os gastos
americanos com defesa aumentaram em 54%, atingindo a cifra de US$ 687 bilhões
em 2011, representando aproximadamente 45% de todos os gastos em defesa
no mundo. Segundo Pecequilo (2013), em vez de ter que enfrentar um inimigo
único, como fora a URSS, os EUA iriam deparar-se cada vez mais com ameaças
pontuais e localizadas de difícil percepção e resolução. Surgem daí corporações
que têm como principais causas para o seu florescimento o perfil dos novos
conflitos internacionais e o aumento exponencial do orçamento militar destinado
ao contraterrorismo a partir de 2001.
A ascensão e disseminação do conceito de contraterrorismo no
mundo ocidental
Os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001 aos Estados Unidos da
América colocaram em pauta, em todo o mundo ocidental, a necessidade de se
repensar questões relacionadas à segurança, tanto em âmbito doméstico quanto
7 The National Security Strategy – NSS é um documento publicado periodicamente pela Casa Branca no qual
concentra as diretrizes e recomendações a serem implementadas pelo governo em exercício em matéria de
segurança e defesa do país (UNITED STATES OF AMERICA, 2002).
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
135Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
internacional, resultando na declaração de Guerra Global ao Terror durante a
administração Bush, e na consequente escalada de políticas de contraterrorismo.
Existem diversos elementos associados ao combate ao terrorismo internacional,
abarcando diplomacia, inteligência, controle financeiro e força militar para dissolver
grupos terroristas, reduzir suas capacidades e elaborar estratégias de defesa e de
ataque. Vale ressaltar que essas medidas entram muitas vezes em conflito com
valores como a liberdade pessoal e a privacidade, haja vista que medidas de
contraterrorismo não têm seus alvos claramente delimitados, podendo ser uma
porta para justificar violações na privacidade de indivíduos ou até mesmo na
soberania de Estados.
As formas de se prevenir e combater o terrorismo adotadas por governos têm
seus alicerces fundamentados nos desdobramentos do neorrealismo, que engloba
o realismo ofensivo e o defensivo. O maior expoente do realismo ofensivo, John
Mearsheimer, enfatiza que os Estados estão constantemente buscando a hegemonia
do sistema por meio da maximização de seu poder, pois dessa maneira garantiriam
sua segurança, eliminando a possibilidade de serem desafiados (MEARSHEIMER,
2001). Ainda, segundo o mesmo autor, não é possível prever quanto poder é
necessário para se garantir a segurança de um Estado, logo, agir ofensivamente
é a melhor maneira de se proteger dos rivais, conquistando influência e poder.
O realismo defensivo ou estrutural, representado por Kenneth Waltz (1979),
profere que, apesar do sistema ser anárquico, a estrutura existente estabelece
certos limites à maximização do poder por parte dos Estados, haja vista que certas
atitudes não seriam aceitas pela comunidade internacional e gerariam represálias.
Dessa forma, os adeptos do realismo defensivo acreditam que os Estados buscam
se defender por meio da maximização da segurança para manter sua posição no
sistema, e para isso são levados a cooperar entre si para promover seus interesses
mútuos.
Dessas vertentes desenvolvem-se também as estratégias de contraterrorismo
ofensivo e defensivo. De acordo com Pillar (2003), o contraterrorismo ofensivo
tem claras vantagens em relação ao contraterrorismo defensivo, pois não é preciso
adivinhar onde e como os terroristas irão proceder, uma vez que o ataque partirá
do Estado que busca extinguir esses grupos. De qualquer forma, o contraterrorismo
defensivo não é uma alternativa ao ofensivo, ambos devem acontecer mutuamente,
pois são complementares, para garantir a segurança estatal. Deve-se ressaltar
também que as políticas contraterroristas envolvem diversas técnicas além do
ataque e defesa do território, como táticas de inteligência para enfraquecer
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
136 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
econômica e ideologicamente os grupos terroristas. A escolha dessas políticas
reflete a forma como os policymakers encaram a questão.
Com a expansão dos poderes e das funções das políticas contraterroristas após
o 11 de Setembro, suscitou-se um debate acerca de sua efetividade e dos interesses
implícitos na adoção de certos instrumentos de combate. O tratamento dado a
suspeitos de serem terroristas, institucionalizado através do Ato Patriota, estava
no centro das discussões, principalmente pelo fato de desrespeitar os direitos
humanos, embora também afetasse diretamente os direitos civis dos cidadãos
americanos. A privacidade dos cidadãos também está comprometida quando o
Estado coleta, sem autorização direta, os mais diversos dados dos indivíduos,
tais como bancários, pessoais, financeiros, jurídicos, de trabalho, dentre outros,
que são considerados de interesse na eventualidade de identificar um terrorista.
Tendo essas questões em vista, fica nítido que, para se manter um programa
contraterrorista, deve-se mobilizar a opinião pública, no intuito de que os cidadãos
aceitem certas restrições e violações de privacidade por um longo período em
prol de um bem maior, qual seja, a prevenção e dissuasão de grupos terroristas.
O acesso ilimitado do governo a informações e o poder de entrar em
territórios, quebrando a soberania institucional sob a justificativa de combate ao
terrorismo, possibilita uma gama gigante de ações que antes não seriam toleradas
pela comunidade internacional. Além disso, propicia um cenário de ameaça
constante, o que fundamenta a adoção de uma política externa militarizada e,
consequentemente, o grande investimento dos Estados Unidos no orçamento militar.
Mais uma vez, depara-se com as possíveis influências do complexo industrial-
militar na agenda de política externa norte-americana, com o intuito de se investir
cada vez mais no setor bélico sob a retórica de guerra permanente ao terror.
Dessa forma, busca-se explicitar as consequências e desdobramentos dos
atentados terroristas de 11 de Setembro, a postura do governo Bush frente à
ameaça terrorista e às diversas vertentes que abordam o terrorismo. Além disso,
salienta-se qual o tipo de terrorismo que a Guerra Global ao Terror se propunha
combater e as implicações dessa política de contraterrorismo para o aumento do
orçamento militar que, consequentemente, leva à manutenção de uma política
externa cada vez mais militarizada.
Seguidamente, discorre-se sobre o complexo industrial-militar (CIM) dos
Estados Unidos, analisando as circunstâncias de seu surgimento, sua relevância
econômica e seu poder de influência política no país.
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137Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
O Complexo Industrial-Militar – CIM
O termo complexo industrial-militar foi usado pela primeira vez pelo então
presidente americano Eisenhower, em 1961, durante seu discurso de despedida
do governo para explicitar que havia uma grande força advinda das grandes
corporações bélicas, e que os interesses dessas agremiações poderiam se infiltram
e influenciar todo o sistema político dos Estados Unidos.
O complexo industrial-militar tem suas raízes fundamentadas no período
que abrange a II Guerra Mundial, consolidando seu poder durante a Guerra Fria.
Segundo Wolfe (1979), até esse ponto, a história dos investimentos militares
americanos era intermitente, ou seja, havia um período em que se aumentava o
gasto militar e, logo após o fim de conflito, o aparato militar era de certa forma
desmontado. A Guerra do México de 1812 e a Guerra Civil americana foram
seguidas por períodos de baixíssimos níveis de investimento no setor militar. Após
a I Guerra Mundial, instaurou-se entre os cidadãos dos Estados Unidos o desejo
de “return to normalcy”, promessa de campanha do candidato à presidência dos
Estados Unidos, Warren G. Harding, na eleição de 1920. Essa onda de isolacionismo
de assuntos internacionais estendeu-se até o início da II Guerra Mundial.
Durante a II Guerra Mundial, os Estados Unidos haviam sido transformados em
um estado de guerra com uma economia centrada em torno do complexo militar-
industrial (SWANSON, 2013). Em abril de 1950, foi apresentado ao presidente
Truman um documento intitulado National Security Council Report 68, NSC-68,
o qual preconizava uma grande expansão no orçamento militar dos Estados
Unidos, o desenvolvimento de uma bomba de hidrogênio e o aumento da ajuda
militar aos aliados dos Estados Unidos. Esse documento enfatizava que, se os
Estados Unidos não se preparassem militarmente, iria em poucos anos sofrer um
ataque da União Soviética e não teria como se defender. Para conseguir manter a
segurança da nação e não permitir a expansão do socialismo para todo o globo, o
NSC 68 fez diversas recomendações ao então presidente Truman, entre elas estava
o desenvolvimento e manutenção por tempo indeterminado do setor militar dos
Estado Unidos:
Desenvolver um nível de prontidão militar que possa ser mantido, pelo tempo
necessário, para dissuadir a agressão soviética, como apoio indispensável à
nossa atitude política em relação à URSS, como uma fonte de encorajamento às
nações que resistem à agressão política soviética e como uma base adequada
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138 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
para compromissos militares imediatos e de rápida mobilização, caso a guerra
se torne inevitável (NATIONAL SECURITY COUNCIL, 1950, p. 12, tradução livre).
8
Em 1953, três quartos do orçamento federal foram destinados a programas
de segurança nacional, os gastos com defesa chegaram a 18% do produto interno
bruto e um terço da atividade comercial do país. Nas duas primeiras décadas da
Guerra Fria, os Estados Unidos destinaram 60% de seu orçamento federal aos
gastos de defesa (SWANSON, 2013)
A fim de justificar esse curso sem precedentes nos Estados Unidos, o NSC-68
alegou que o país estava em perigo de uma crescente ameaça soviética. Também
argumentou que, em poucos anos, a União Soviética estaria em condições
de invadir a Europa Ocidental com forças convencionais e poderia atacar os
Estados Unidos de surpresa com força atômica, a menos que o Congresso e o
presidente aprovassem novos gastos de defesa maciça. O NSC-68 serviu como
embasamento para a elaboração da nova política externa dos Estados Unidos, e
alterou profundamente o papel do país no mundo, por justificar e legitimar a sua
transformação em um Estado de guerra (SWANSON, 2013).
Ainda que, de acordo com Swanson (2013), nenhuma das projeções sobre o
poderio soviético e sua capacidade de atacar os Estados Unidos fossem reais, a
indústria de defesa se expandiu, legitimada pela necessidade de se preparar e se
proteger de um iminente ataque, gerando cada vez mais lucros, além de poder e
influência para os burocratas ligados ao Estado de guerra. Em 1961, o presidente
Dwight Eisenhower (EISENHOWER, 1961), em seu discurso de despedida à nação,
alertou sobre o poder do que ele denominou como “complexo industrial-militar”.
Esse pronunciamento, direcionado ao povo americano, ficou conhecido como
o “alerta sobre o complexo industrial-militar”. Eisenhower teve uma carreira que
abarcou o serviço militar na Primeira Guerra Mundial, os cortes militares de pós-
guerra, o serviço como Comandante na Segunda Guerra Mundial e a função de
presidente dos Estados Unidos, que exerceu de 1953 a 1961, experiência vasta que
lhe rendeu conhecimento e vivência do meio militar. Dessa forma, quando um ator
com o background de Eisenhower se mostra preocupado com as dimensões que
corporações militares vêm ganhando dentro da administração, dizendo que “nos
8 Develop a level of military readiness which can be maintained as long as necessary as a deterrent to Soviet
aggression, as indispensable support to our political attitude toward the USSR, as a source of encouragement
to nations resisting Soviet political aggression, and as an adequate basis for immediate military commitments
and for rapid mobilization should war prove unavoidable.
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139Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
conselhos de governo, devemos nos resguardar contra a aquisição de influência
indevida, procurada ou não, pelo complexo militar-industrial” (EISENHOWER,
1961, p.1038, tradução livre)
9
, gera-se certa indagação de qual seria a real influência
desse complexo, e por que ele pode se mostrar como um perigo para a liberdade.
Nas palavras de Eisenhower:
Essa conjunção de um imenso establishment militar e uma grande indústria
de armas é nova na experiência americana. A influência total – econômica,
política, até mesmo espiritual – é sentida em todas as cidades, em todas as
instâncias governamentais do Estado, em todos os escritórios do governo
federal. Reconhecemos a necessidade imperativa desse desenvolvimento.
No entanto, não devemos deixar de compreender suas graves implicações.
Nosso trabalho, recursos e meios de subsistência estão todos envolvidos;
assim é a própria estrutura da nossa sociedade (EISENHOWER,1961, p. 1038,
tradução livre).
10
Ao mesmo tempo em que Eisenhower problematiza as influências do CIM, ele
reconhece a necessidade dos contínuos investimentos no setor, haja vista que, na
conjuntura da Guerra Fria, havia uma tensão em decorrência da disputa ideológica
entre os Estados Unidos e a União Soviética. Na perspectiva de Eisenhower:
No longo caminho da história que ainda está para ser escrita, a América
sabe que esse nosso mundo, cada vez menor, deve evitar tornar-se uma
comunidade de medo e ódio terríveis, e ser uma confederação orgulhosa
de confiança e respeito mútuo. Tal confederação deve ser uma de iguais. Os
mais fracos devem chegar no âmbito da conferência com a mesma confiança
com que nós chegamos, protegidos como pela nossa força moral, econômica
e militar. Esse espaço, embora marcado por muitas frustrações passadas,
não pode ser abandonado pela existência de uma certa agonia no campo de
batalha (EISENHOWER, 1961, p. 1039, tradução livre).
11
9 In the councils of government, we must guard against the acquisition of unwarranted influence, whether sought
or unsought, by the military-industrial complex.
10 This conjunction of an immense military establishment and a large arms industry is new in the American
experience. The total influence — economic, political, even spiritual — is felt in every city, every State house,
every office of the Federal government. We recognize the imperative need for this development. Yet we must
not fail to comprehend its grave implications. Our toil, resources and livelihood are all involved; so is the very
structure of our society.
11 Down the long lane of the history yet to be written America knows that this world of ours, ever growing smaller,
must avoid becoming a community of dreadful fear and hate, and be instead, a proud confederation of mutual
trust and respect. Such a confederation must be one of equals. The weakest must come to the conference table
with the same confidence as do we, protected as we are by our moral, economic, and military strength. That
table, though scarred by many past frustrations, cannot be abandoned for the certain agony of the battlefield.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
140 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Eisenhower explicita que, apesar da necessidade de investir em defesa, não se
poderia deixar que o poderio militar dos Estados Unidos, advindo majoritariamente
de seu complexo industrial-militar, tomasse conta da agenda política, promovendo
guerras e conflitos desnecessários apenas para manter seu status quo.
A despeito do alerta de Eisenhower e do fim da Guerra Fria, não houve
um desmonte do complexo industrial-militar, muito pelo contrário, seu poder e
influência aumentaram. O discurso de Eisenhower, que salientava a necessidade
de não se acabar com os investimentos militares, mas, ao mesmo tempo, ter
cautela com a institucionalização do setor, continua válido no período pós-Guerra
Fria, caracterizado pela constituição de novos inimigos internacionais, não mais
centrados nos Estados nacionais, como era então em 1961?
Em 2001, quarenta anos após o discurso de Eisenhower, identificou-se um
outro inimigo perigoso e permanente à segurança dos Estados Unidos, o terrorismo
islâmico fundamentalista que demonstrou seu alcance e sua capacidade destrutiva
nos ataques do 11 de Setembro. O complexo industrial-militar aproveitou-se
da conjuntura crítica promovida pelos atentados para ampliar ainda mais sua
influência na tomada de decisões do governo norte-americano em prol de seus
interesses comerciais. É a partir desse ponto que se pode observar, na prática,
quando se analisa as decorrências do 11 de Setembro, o que Eisenhower de fato
temia que acontecesse.
O debate a seguir destina-se a mostrar como o complexo industrial-militar
arquitetou sua estratégia de ação para tentar perpetuar sua influência nos Estados
Unidos, sobretudo por meio da Guerra Global ao Terror. Analisaremos como se
dá a relação de interdependência entre o CIM, o governo e os think tanks mais
influentes, no que tange à política externa norte-americana durante a administração
Bush e o primeiro mandato de Obama, tendo como foco o jogo de interesses
sustentados pelos diversos atores aqui discutidos.
A constelação de interesses e o lobby do CIM
após o 11 de Setembro
O teórico Wright Mills (1969) foi um dos pioneiros a estudar a influência
dos interesses corporativos sobre o processo político, enfatizando sobretudo uma
constelação de interesses atrelada ao crescimento do Departamento de Defesa dos
EUA e certas empresas que lucram por meio de aquisições militares por parte
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
141Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
do governo. Ainda, segundo esse autor, a rede de interesses que se beneficia
dos gastos militares governamentais torna extremamente complicado mudar as
prioridades e percepções de ameaças constantemente existentes à segurança dos
EUA. Tanto a política econômica quanto fatores ideológicos desempenham um
papel para a percepção dessas ameaças externas e, consequentemente, do nível
necessário de militarização para enfrentá-las.
Para analisar essa linha tênue entre os interesses do complexo industrial-
militar e o aumento dos gastos militares após o 11 de Setembro, faz-se necessário
compreender como esse complexo é fundamentado e qual sua influência na política
externa norte-americana.
O complexo industrial-militar inclui vários componentes, tais como o setor
corporativo que produz armamentos; empresas contratadas para desempenhar
funções militares e de inteligência; estrutura burocrática governamental, como o
Departamento de Defesa e a Agência de Inteligência; assim como congressistas
e senadores que estão fortemente ligados aos interesses do complexo devido
ao financiamento de campanhas e por representarem estados que dependem
majoritariamente dos gastos militares. Deve-se salientar também a relevância do
lobby e das organizações de planejamento político que influenciam diretamente
a agenda governamental e, consequentemente, implicam a definição e construção
do que será considerado uma ameaça, moldando-a da forma mais benéfica a seus
interesses.
De acordo com Cox (2014), diferentemente de outras corporações que têm
seus lucros fundamentados em pesquisa e tecnologia, posse de patentes ou de
investimentos, a indústria de armas depende da venda de armamentos para
garantirem seus lucros. Dados divulgados pelo autor mostram que, em 2012,
grandes empresas, como a Lockheed Martin, Raytheon e a BAE System, tiveram
mais de 70% de seus lucros atrelados à venda de armamento. Logo, essas industrias
têm um enorme interesse que a venda de armamentos se expanda, fato que seria
dificultado pela ausência de uma suposta ameaça externa, pois as justificativas
políticas para se investir no setor militar seriam extremamente limitadas.
Os ataques de 11 de Setembro propiciaram uma conjuntura perfeita para
justificar o aumento de investimentos no setor militar, pois identificou-se
ameaças de longo prazo, as quais precisavam ser constantemente combatidas,
legitimando-se assim a militarização da política externa, por meio da securitização
da defesa.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
142 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Bush e seu papel de agente securitizador da Guerra Global ao Terror
Conforme visto anteriormente, é necessário que a população aceite e aprove a
necessidade de se investir maciçamente no setor militar em detrimento de outras
áreas prioritárias, tais como saúde e educação. O presidente George W. Bush teve
um papel essencial na disseminação da ideologia de Guerra Global ao Terror, que
pregava, por meio de discursos e da mídia, a necessidade de combater o terrorismo
e garantir a segurança dos cidadãos dos Estados Unidos da América, bem como
da democracia e da liberdade no mundo em geral.
Os pressupostos teóricos da Escola de Copenhague, na qual se insere o conceito
de securitização, criado por Barry Buzan (1998), diz que o ato de securitizar
configura-se quando uma questão é apresentada como uma ameaça existencial
que requer medidas extraordinárias e emergenciais, justificando ações fora dos
limites do escopo político. Dentro do processo de securitização, existe a noção de
que a ameaça é tão iminente que, caso nenhuma medida seja tomada, será muito
tarde para agir (BUZAN,1998). Justifica-se, dessa forma, abandonar as práticas
políticas do Estado de Direito e aceitar algumas violações para bloquear a presente
ameaça que, em outras circunstâncias, seriam condenadas.
O ponto de partida para que determinada temática seja securitizada se dá
através do discurso de um stakeholder que exerça grande influência e tenha poder
político. No entanto, apenas o discurso não é suficiente para securitizar uma
questão, pois ainda há a necessidade que ele seja aceito pelo público (BUZAN,
1998). Dentro dessa dinâmica, o ator que invoca a securitização necessita de poder
e capacidade dentro do cenário internacional para articular politicamente, junto aos
demais atores, o convencimento da urgência presente nessa questão, pois somente
assim a securitização poderá ser realizada. Dessa forma, de acordo com Buzan
(1998), a segurança internacional não pode ser considerada de maneira objetiva,
uma vez que ela é acionada por uma estrutura retórica, ou seja, pelo surgimento
de um discurso securitizante, em que se requer prioridade máxima para uma
questão. A construção social dessa questão como uma ameaça à sobrevivência de
um ou mais atores depende da capacidade do agente securitizador em movimentar
o debate político em torno da sua proposta.
Deve-se salientar que não é necessário que a ameaça construída e disseminada
pelo agente securitizador seja de fato real, o importante é que o público aceite
que essa ameaça realmente exista. Com relação à Guerra Global ao Terror, George
W. Bush desempenhou com maestria o papel de agente securitizador, haja visto
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
143Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
o impacto de seus discursos pós 11 de Setembro, em especial no que tange à
empreitada de guerra em prol da liberdade por meio da destruição do Taleban
e da Al Qaeda, mas que “não terminará até que todos os grupos terroristas de
alcance mundial tenham sido identificados, detidos e derrotados” (BUSH, Discurso
ao Congresso em 20 de setembro de 2001, p. 68, tradução livre).
12
Com essas
palavras, Bush abre espaço para uma guerra constante, declarando que os Estados
Unidos da América agiriam militarmente, de maneira preventiva e unilateral, para
defender sua segurança.
Além disso, em 2002 o presidente George W. Bush divulgou o documento
A Estratégia de Segurança Nacional”, o qual ficou conhecido como “Doutrina
Bush”, e que trazia em discussão possíveis formas de intervenção dos EUA em
outros Estados. As principais características do documento envolvem a guerra
preventiva, a classificação de Estados em párias e falidos, a reafirmação do termo
eixo do mal”, assim como a categorização de certos Estados nessa classificação,
além da necessidade de criar mecanismos para evitar que grupos terroristas e
alguns Estados hospedassem ou patrocinassem, de alguma forma, a posse de
armas de destruição em massa.
De acordo com Owens (2009), a Doutrina Bush é uma clara manifestação de
que o interesse nacional dos EUA com o aumento dos gastos militares sempre esteve
além da simples preocupação com a segurança do país. Assim, houve intensos
investimentos no governo Bush para fortalecer a indústria bélica nacional, buscando
um aprimoramento dos ganhos comerciais, não somente atendendo à demanda
nacional, mas também fornecendo ao comercio internacional de armamentos
produtos sofisticados, de alta qualidade e com tecnologia de ponta inserida.
Já para Jervis (2003), é necessário compreender o porquê da emergência
da Doutrina Bush em um contexto atípico aos processos históricos recentes da
política externa dos EUA. Na essência da doutrina, o autor aponta para quatro
elementos característicos que nortearam a práxis dos EUA na primeira década do
século XXI: uma forte crença de que o momento era oportuno para transformar
a política internacional às necessidades dos EUA; a percepção de que as novas
ameaças só poderiam ser derrotadas através de políticas novas e vigorosas,
principalmente através da estratégia do ataque preventivo, o que implicaria a
sofisticação do armamento tático e ofensivo; disposição para agir unilateralmente,
quando necessário; e, por último, a percepção de que, para garantir a paz e a
estabilidade dos EUA, é necessário afirmar a sua primazia na política mundial.
12 it does not end there. It will not end until every terrorist group of global reach has been found, stopped and defeated.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
144 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Logo após a implementação da Doutrina Bush e da Guerra Global ao Terror,
as quais foram securitizadas e tiveram aval da opinião pública, verificou-se
uma mudança na trajetória dos gastos com orçamento militar dos Estados
Unidos da América, os quais vinham caindo em proporção ao resto do mundo
desde o final da Guerra Fria. A Guerra Contra o Terror impulsionou o governo
norte-americano a investir maciçamente no setor militar de defesa nacional.
O Gráfico 2 demonstra como os Estados Unidos aumentaram significativamente
sua participação no montante total dos gastos militares mundiais ao longo dos
anos 2000, representando, desde 2003, mais de 40% do total mundial.
Gráfico 2 – Gastos Militares dos EUA em milhões de dólares (1949-2015)
0
100
200
300
400
500
600
700
800
1949
1952
1955
1958
1961
1964
1967
1970
1973
1976
1979
1982
1985
1988
1991
1994
1997
2000
2003
2006
2009
2012
2015
Fonte: Elaboração própria com base nos dados do STOCKHOLM INTERNATIONAL PEACE RESEARCH INSTITUTE (2018).
A conjuntura crítica após o 11 de Setembro e a legitimação da Guerra ao Terror
possibilitaram uma ascensão do poder do CIM, por aumentarem a percepção de
ameaças e, consequentemente, a necessidade de defesa entre os políticos, as
elites e a população em geral. Os eventos do 11 de Setembro proporcionaram
uma oportunidade ímpar para as corporações militares, as quais, por meio dos
think tanks financiados por elas próprias, congressistas e funcionários centrais
no governo da administração Bush, usaram os fatídicos acontecimentos como
pretexto para justificar o vasto alcance da expansão do orçamento militar. Uma
análise desse aumento do orçamento sugere a existência de um relacionamento
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
145Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
tênue entre os objetivos do Estado na Guerra ao Terror e uma ligação robusta da
agenda de militarização estatal fundamentada nos think tanks.
De acordo com Hartung (2010), cada elemento importante da estratégia
de segurança nacional do governo George W. Bush, como a postura nuclear
agressiva e o compromisso de implantar um sistema de defesa antimísseis, foram
desenvolvidas e refinadas previamente pelos think tanks conservadores apoiados
por corporações militares como o Centro de Política de Segurança (Center for
Security Policy), o Instituto Nacional de Política Pública (National Institute for
Public Policy) e o Projeto para um Novo Século Americano (Project for a New
American Century).
Ainda, segundo o mesmo autor, o lobby de armas está exercendo mais
influência sobre a elaboração de políticas do que em qualquer momento anterior.
Não são apenas os grupos de reflexão apoiados pela indústria militar que se
infiltraram na administração Bush, mas consultores e acionistas das principais
empresas de defesa dos EUA também compuseram a equipe de segurança
nacional de Bush, aproveitando-se e explorando os medos após 11 de Setembro.
Para Hartung (2010), Bush desempenhou meramente o papel de interlocutor
desses interesses e de disseminação da ideologia para a população. Apesar
desse aumento de poder do CIM após a instauração da Guerra Global ao
Terror, não houve, segundo Cox (2014), mudanças drásticas na política externa
norte-americana: Bush apenas reforçou uma estratégia política amparada e
advogada pelo CIM desde muito tempo, a qual tem sua continuidade garantida
graças aos seus vínculos com o poder executivo.
Governo Barack Obama e a manutenção do poder do CIM
Ao tomar posse na Casa Branca, em janeiro de 2009, o presidente Barack
Obama aboliu algumas medidas da administração Bush, como os interrogatórios
considerados abusivos que foram institucionalizados pelo Ato Patriota. Ainda sob
o governo Obama, os Estados Unidos anunciaram o fim da guerra do Iraque em
dezembro de 2010 e também o fim da guerra no Afeganistão, que se concretizou
em dezembro de 2014. Além disso, iniciou-se um plano para o fechamento da
prisão de Guantánamo, localizada em Cuba. Apesar dessas medidas, não houve,
durante o primeiro governo de Barack Obama, cortes significativos no orçamento
destinado ao setor militar por meio do Departamento de Defesa.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
146 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Apesar da grave crise financeira que abalou grande parte do mundo a partir
de 2008, a força do CIM continuou tão robusta quanto foi em certos períodos da
Guerra Fria. A crise financeira pode ser analisada como uma conjuntura crítica,
assim como foi o 11 de Setembro. No entanto, as decorrências da crise financeira
tinham grande potencial para contribuir com uma drástica redução nos gastos
militares dos Estados Unidos (COX, 2014). Porém, apesar de ser a pior crise
financeira desde a Grande Depressão, houve pouquíssimos planos e medidas para
reduzir o investimento nesse setor.
O Gráfico 3 ilustra a diferença entre o montante dos gastos militares e não
militares dos Estados Unidos desde o final da Guerra do Vietnã (1976) até o fim
do primeiro mandato de Obama (2009 – 2012). Pode-se observar a trajetória de
ascensão dos gastos militares a partir dos eventos de 11 de Setembro de 2001,
atingindo, em meados dos anos 2000, investimentos mais altos do que durante
os picos Guerra Fria.
Gráfico 3 – Gastos Militares e não Militares dos Estados Unidos (em milhões de dólares)
Fonte: Elaboração própria com base em INSTITUTE FOR POLICY STUDIES (2015).
É possível notar também que, apesar de haver um declínio dos gastos
militares em 2010, o montante continua extremamente elevado e superando ainda
todos os investimentos em áreas não militares. Houve uma nítida resistência da
administração Obama em cortar os gastos militares – nem mesmo o fechamento
da prisão de Guantánamo se concretizou –, mesmo não existindo uma ameaça
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
147Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
externa à segurança e hegemonia dos EUA e em meio a uma grave crise econômica.
Mais uma vez, há fortes indícios do poder que o complexo industrial-militar
exerce sobre a Casa Branca, independente da ideologia partidária que está à frente
do governo.
Uma estreita relação de interdependência entre o CIM, os think
tanks e o Governo
Elucidados os fatos anteriores, pode-se constatar que há uma relação forte
entre os produtores militares e os policymakers atrelados à formulação de política
externa, principalmente no Departamento de Defesa. Mudanças no curso da política
externa norte-americana, nas quais ameaças de longo prazo são identificadas e
planos estratégicos são desenvolvidos para combatê-las, fornecem um cenário
ideal para observar o grau de envolvimento entre as corporações e a burocracia do
executivo, principalmente no que tange ao seu trabalho conjunto na identificação
de ameaças à segurança dos Estados Unidos, de modo a maximizar o acesso à
receita governamental para esse setor (COX, 2014).
Pode-se assim reiterar, no que concerne à estratégia adotada pelo governo Bush
após os atentados de 11 de Setembro, que o CIM esteve envolvido na formulação e
implementação da Guerra Global ao Terror. No entanto, faz-se necessário entender
que a influência do CIM sobre a Casa Branca não se dá de forma autônoma, ao
contrário, ela só é viabilizada por fatores que ajudam a explicar os motivos da
manutenção dos gastos militares, e vão além da identificação de uma ameaça
externa. Um dos fatores pelos quais o governo se permite influenciar pelo CIM é a
chamada “economia de guerra permanente”, termo cunhado ao final da Segunda
Guerra Mundial para designar a dependência da economia norte-americana em
relação ao seu setor militar.
Conforme explicitado anteriormente, a indústria bélica funcionou como um
anabolizante para a economia norte-americana durante e após a II Guerra Mundial,
e por isso os investimentos militares passaram a desempenhar uma função de
“keynesianismo militar”, na qual foram estimuladas a economia e a demanda
através de gastos militares (COX, 2014). Os Estados Unidos, então, adotaram
como modelo padrão investir no setor militar para gerar inovações industriais e
tecnológicas.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
148 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Além disso, outro fator que não pode ser ignorado, conforme citado
anteriormente, é a relação entre o CIM e conceituados think tanks americanos.
Hartung (2010) explicita, em seu trabalho, as grandes contribuições do CIM aos
think tanks conservadores. Essa relação emergiu após a Guerra Fria e acentuou-
se ainda mais com os atentados de 11 de Setembro. Para o autor, os think tanks
mais influentes e poderosos junto ao governo são também os que mais recebem
recursos provenientes do CIM, como o Project for the New American Century
(PNAC) e o National Institute for Public Policy e Center for Security Policy, os
quais foram consultados pela administração Bush para darem seus pareceres sobre
quais ações deveriam ser tomadas após o 11 de Setembro. Isso demonstra, mais
uma vez, os fortes indícios da influência do CIM no desenvolvimento da Guerra
Global ao Terror.
Outro ponto que deve ser levado em consideração, quando é analisada
a relação entre o CIM e o governo, é o papel que o Departamento de Defesa
adquiriu após o 11 de Setembro, passando a controlar áreas que anteriormente
eram de competência do Departamento de Estado, tais como os gastos com
assistência e desenvolvimento. Ademais, o Departamento de Defesa politizou a
alocação dos recursos destinados à Guerra ao Terror, de forma que regiões rurais
pouco povoadas passaram a receber grandes montantes de verba, e isso se deve
ao fato de que essas regiões tendem a voltar a eleger representantes que sejam
favoráveis à continuidade e à expansão dos gastos militares, pois suas economias
dependem majoritariamente dos investimentos militares para terem recursos
(COX, 2014).
Tendo todos esses fatos em vista, podemos resumir a interdependência
entre o CIM, o Governo e os think tanks conforme a figura 1. A relação de
dependência mútua entre o CIM e o governo é evidente: lembremos que o CIM é
um importante eixo da economia e tem poder suficiente para mobilizar membros
do governo a seu favor. Por outro lado, o CIM depende do governo para que o
orçamento destinado ao setor militar seja mantido de forma contínua. O CIM
financia os principais think tanks ligados diretamente à tomada de decisões
governamentais no que tange à política externa. Esses think tanks, por sua vez,
identificam ameaças à segurança nacional e elaboram relatórios aconselhando o
governo a aumentar o investimento no setor militar. O governo, então, passa a
investir maciçamente no setor militar do país e, dessa forma, o CIM, que depende
da venda de armamentos para ter lucro, expande ainda mais seu poder, fechando
assim o ciclo de interdependência.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
149Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
Figura 1: O triângulo da interdependência.
Fonte: Elaboração própria com base em Cox (2014).
No entanto, a relação entre o CIM e o governo deve ser analisada mais
profundamente, haja vista que é uma via de mão dupla na qual há diversos
interesses envolvidos. Membros do congresso norte-americano têm suas campanhas
financiadas pelo CIM e, além disso, representam Estados que têm as economias
dependentes das corporações militares. O Departamento de Defesa ganhou força e
investimentos devido à identificação de uma ameaça externa e à adoção da política
de Guerra Global ao Terror, a qual tomou proporções no governo Bush devido à
forte influência do CIM. Logo, a relação entre o CIM, os membros do Congresso,
o Departamento de Defesa e os estados que dependem majoritariamente das
corporações bélicas é extremamente estreita.
Figura 2: Relação direta do Complexo Industrial-Militar com o Governo
Fonte: Elaboração própria com base em Cox (2014)
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150 A influência do complexo industrial-militar na Política Externa dos Estados Unidos da América [...]
Dito isso, é indubitável que o CIM vem desempenhando um papel de
protagonismo na agenda de política externa dos Estados Unidos, principalmente
após o 11 de Setembro, inclusive incentivando a promoção de intervenções
militares ao redor do mundo. Essa economia de guerra permanente encontrou
respaldo para se justificar na Guerra Global ao Terror, a qual foi legitimada pelos
discursos e ações securitizantes de George W. Bush, apadrinhadas pelo CIM, pelo
Departamento de Defesa e por membros do Congresso e do Executivo.
Considerações Finais
O complexo industrial-militar norte-americano constitui efetivamente uma
força tremenda nos Estados Unidos, contando com mecanismo para influenciar
diretamente na postura adotada pelos governantes em prol da adoção de uma
política externa militarizada, que depende constantemente da existência de uma
ameaça externa para poder legitimar os grandes investimentos no setor militar
ao invés de em outras áreas prioritárias, tais quais saúde e educação.
Os atentados de 11 de Setembro e a consequente Guerra Global ao Terror
propiciaram um ambiente ideal para que os interesses do CIM e seu escopo de
atuação fossem expandidos a uma escala praticamente ilimitada, tendo em vista
que a declaração de guerra constante ao terror e guerra preventiva dão margem a
ações unilaterais e que não necessitam de respaldo da população ou da comunidade
internacional, haja vista que os perigos advindos dos grupos terroristas teriam
se disseminado por todo o globo. No entanto, vale notar que, como visto nos
Gráficos 1, 2 e 3, desde o início dos anos 2000 a trajetória dos gastos militares
vinha aumentando, ou seja, o 11 de Setembro serviu como uma justificativa para
potencializar e sofisticar o poder do CIM.
A Doutrina Bush, baseada nas quatro dimensões apontadas por Jervis
(2003), implicaria uma nova orientação à política externa dos EUA, na qual o
CIM ganharia um maior destaque e capacidade de influência no desenvolvimento
das políticas de indústria e comércio de armamento bélico. Isso, na visão de
Owens (2009), demonstraria que, de fato, a Doutrina Bush foi além da procura
básica da segurança nacional: encaminhou o aparato institucional a políticas de
aprimoramento tecnológico e fortalecimento dos mecanismos e estratégias de
ataque e defesa das Forças Armadas do país.
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 14, n. 1, 2019, p. 127-152
151Elias David Morales Martinez; Thaís Regina Servidoni
Dado o atual cenário da constelação de interesses existentes para a continuidade
do poder do complexo industrial-militar, torna-se difícil vislumbrar outra realidade.
Deve-se ressaltar que há pressões internas para que isso se modifique, para que
os gastos militares sejam reduzidos e direcionados para áreas sociais. O setor
financeiro, que também tem um grande poder dentro dos Estados Unidos, é um
exemplo dos grupos que são contrários à perpetuação da economia de guerra,
haja vista que ela pode acarretar inflação e uma conjuntura desfavorável para
investimentos, além de abalar a estabilidade do dólar (COX, 2014). No entanto, o
poder do CIM não deve ser abalado no médio prazo, haja vista a influência e os
interesses de todos os atores envolvidos em favor da manutenção de altos níveis
de investimentos militares por parte do governo.
Essa análise corrobora com as questões que afligiam Eisenhower quando
cunhou o termo “complexo industrial-militar”, em 1961, mostrando que suas
preocupações eram realmente consideráveis, tornando-se realidade, dada a
dimensão e poder que o CIM adquiriu ao longo dos anos, em todas as esferas de
influência, principalmente na política e na economia. Além disso, a adoção de
uma política externa militarizada e suas implicações sociais, em âmbito interno
e externo, desencadearam uma redução doméstica de recursos para áreas sociais
e a configuração de um ambiente internacional mais propício a novos conflitos e
políticas intervencionistas.
Referências
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wbush-whitehouse.archives.gov/infocus/bushrecord/documents/Selected_Speeches_
George_W_Bush.pdf>. Acesso em: 20 set. 2018.
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