
Rev. Carta Inter., Belo Horizonte, v. 15, n. 3, 2020, p. 129-150
A política externa brasileira para a África de Lula a Temer: mudança matricial em meio à crise
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como destacado por Antônio Patriota (Bachega 2014). Sob outra perspectiva,
a presidenta se viu forçada, dada a crise econômica interna, a reduzir a capacidade
ministerial do Itamaraty, o que acabou sobrecarregando o MRE em alguns aspectos
e o impossibilitando de dar prosseguimento a propostas de projetos externos e
de mantê-los a longo prazo (Cornetet 2014).
A política externa aplicada sob a gestão Dilma Rousseff foi se esvaziando
à medida que a sustentação de seu próprio governo era corroída internamente.
A partir dos protestos generalizados ocorridos entre 2013 e 2016,
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o governo,
que se viu extremamente fragilizado internamente,
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foi impelido a deixar em
segundo plano algumas iniciativas ou processos de ordem externa (passando a
dar menor enfoque a eles em comparação com o governo anterior
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), detendo-se
com mais atenção à política interna.
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Contudo, mesmo com o governo fragilizado,
Rousseff deu continuidade a 61 projetos de cooperação com países africanos
que haviam sido estabelecidos por meio da ABC durante o governo Lula, além
de dar início a 156 outros. Em seu segundo mandato, entre 2015 e 2016, foram
criados 16 novos projetos via ABC (ABC 2019).
Nesse sentido, pode-se perceber que o governo Rousseff, mesmo que tenha
enfrentado entraves de ordem externa e interna, deu significativa ênfase à cooperação
com os países africanos, principalmente na área de Defesa. Enquanto no governo
Lula apenas cerca de 1% dos projetos de cooperação estabelecidos via ABC foram
Dilma, como é possível verificar em seu pronunciamento em comemoração do cinquentenário da União Africana:
“Sempre persistirá nosso propósito de assegurar, de tornar disponíveis investimento, cooperação técnica e
transferências tecnológicas, especialmente as sociais para apoiar o desenvolvimento dos países africanos
na base da cooperação Sul-Sul que assegura avanços, e lucros mútuos para ambas as partes” (Brasil 2013).
9 Alonso (2017) define esses acontecimentos como “ciclo mosaico”, com três momentos distintos: o primeiro em
referência às manifestações pelo passe livre (2013), com pautas plurais e sem grandes representações políticas.
O segundo e o terceiro (2014 — 2015), contrariamente, concatenaram insatisfação e oposição direta ao governo
Rousseff, com o surgimento de grupos políticos que se aglutinaram em prol do processo de impeachment. Os
ciclos patriota e do impeachment ajudaram a minar a governabilidade do país, o que fez com que Dilma deixasse
em segundo plano a “diplomacia presidencial” e aumentasse o enfoque aos problemas internos do país.
10 A operação Lava Jato, posta em prática pela Polícia Federal, iniciada em 2014, revelou casos de corrupção nas
“gigantes brasileiras”, implicando diversos políticos e empresários. As descobertas trazidas à tona pela operação
serviram, também, para legitimar discursos “anticorrupção” e para associar o Partido dos Trabalhadores a
esses esquemas, minando e fragilizando a governabilidade de Dilma Rousseff.
11 Diferentemente dos dois presidentes anteriores, Dilma Rousseff deu menos ênfase à “diplomacia presidencial”.
Isso se refletiu não só no menor número de visitas ao continente africano, mas em um menor número de
visitas oficiais da presidenta a outros países como um todo.
12 Enquanto Lula, em seus três primeiros anos de governo (2003-2005) visitou 12 países africanos (São Tomé
e Príncipe, Angola, Moçambique, Namíbia, África do Sul, São Tomé e Príncipe, Gabão, Cabo Verde, Nigéria,
Gana, Guiné-Bissau, Senegal e Camarões), Dilma Rousseff, em um período equivalente (2011-2013), visitou
apenas seis países do continente (África do Sul, Moçambique, Angola, Nigéria, Guiné Equatorial e Etiópia).