San Tiago Dantas e sua política externa como instrumento da reforma social e da democracia

Autores

  • Renato Petrocchi Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense INEST/UFF

DOI:

https://doi.org/10.21530/ci.v10n2.2015.275

Palavras-chave:

San Tiago Dantas, Política Externa, Reformas Sociais e Democracia

Resumo

Por ocasião do comando da Política Externa Independente, o chanceler San Tiago Dantas utilizou a expressão “coexistência competitiva” em diferentes discursos, pronunciamentos e debates para fundamentar duas posições adotadas pelo Brasil em suas relações internacionais: a do restabelecimento das relações diplomáticas com a União Soviética e a do voto contrário ao isolamento de Cuba no hemisfério e à perspectiva de sua expulsão da Organização dos Estados Americanos (OEA). Esta referencia de S. T. Dantas inspirava-se, claramente, na política de “coexistência pacífica”, formulada por Chruschev no XX Congresso do PCUS de 1956 a qual, sublinhava a importância da distensão internacional e, reconhecia que o confronto entre os dois blocos (o socialista e o capitalista) não deveria constituir uma fatalidade histórica inevitável para os dois competidores. A proposta soviética da “coexistência” era a de considerar possível uma pacífica competição entre os dois sistemas na crença de que o socialismo demostrasse a todos os povos a sua superioridade e, deste modo, viesse a impor-se, principalmente, nos países industriais avançados pela via democrática e parlamentar. Para S. T. Dantas, o sentido da “coexistência competitiva” era o do desafio de colocar os dois mundos diferentes da Guerra Fria não apenas em contato, mas também em competição de modo a expor cada um deles à “influencia inevitável dos modelos, das realizações e das experiências processadas no outro”. Nesta apropriação específica do chanceler petebista e não diplomata, a política de coexistência competitiva deveria exercer na política interna brasileira um “permanente incentivo à reforma social, com a criação no seio da sociedade de pressões crescentes, que poderiam ser captadas para a modificação progressiva de sua estrutura, sem quebra da continuidade do regime democrático”. Assim, S. T. Dantas nos ofereceu, desde o início da década de 1960, dois exemplos virtuosos: a possibilidade de conceber e implementar um projeto coerente e articulado para a política interna e internacional do Brasil e, uma referencia positiva de politização da política externa brasileira com sua firme convicção de que a democracia associada às reformas sociais é, de todas as formas de governo, a que melhor resiste à confrontação e, portanto, a que melhor se impõe através da coexistência.

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Biografia do Autor

Renato Petrocchi, Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense INEST/UFF

Renato Petrocchi graduou-se em História-licenciatura na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio, 1985). Realizou o mestrado em Relações Internacionais no Instituto de Relações Internacionais IRI-PUC-Rio (finalizado em 1995) e concluiu o doutorado em História na Universidade Federal Fluminense (PPGH-UFF, 2005). Atualmente, é professor adjunto de Política Externa e Relações Internacionais no Instituto de Estudos Estratégicos da Universidade Federal Fluminense (INEST/UFF), atuando nas atividades de ensino e pesquisa, tanto na graduação de Relações Internacionais (DEI/UFF), quanto na Pós-Graduação de Estudos Estratégicos (PPGEST/UFF). Entre 1998 e 2012, foi professor de História Contemporânea do Departamento de História da PUC-Rio, ministrando disciplinas como: História Contemporânea III e IV, História Econômica Geral I e II, Seminários Especiais (Debate Historiográfico sobre o Século XX, História da América Latina), Sistema Internacional do Século XX, entre outras, além de pesquisador integrante de vários projetos. Um estudo que expressa o perfil de parte destas atividades é o artigo "O Irredutível Século XX: uma pesquisa de chaves de leitura", publicado na Revista Contexto Internacional, n.1 (2000), onde se interpela o controverso debate teórico-interpretativo sobre as diferentes leituras do Novecentos, entendido como época histórica dotada de características específicas e originais. Em 2008, ingressou por concurso público na Escola de Guerra Naval (EGN-Marinha do Brasil), no cargo de professor adjunto de Relações Internacionais, atuando até 2012 como docente e pesquisador nos diferentes cursos e projetos desta instituição de ensino superior específica: desde os cursos de Política e Estratégia Marítimas, oferecidos para oficiais de carreira, com patente de Mar e Guerra, que concorrem ao almirantado, aos projetos promovidos pelos editais da CAPES e do Ministério da Defesa, como o Pró-Defesa, destinados a apoiar a integração entre as atividades acadêmicas de pesquisa nas universidades e o ensino superior militar. Entre estas atividades, destaca-se a participação no projeto de pesquisa “Brasil em missões de paz: inserção internacional, equipes integradas e ação no Haiti”, fruto da parceria entre a Universidade de Brasília (UNB), com o seu Instituto de Relações Internacionais (IREL), o IRI/PUC-Rio e a EGN com o Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais (CGCFN). Dois exemplos representativos de parte deste trabalho mais extenso foram: a coordenação do volume especial e temático da Revista da Escola de Guerra Naval (n.15, de junho de 2010), dedicado ao debate sobre a expansão da participação brasileira nas Operações de Manutenção de Paz da ONU; e o artigo “Considerações Sobre o Problema da Ingerência Legítima”, escrito para a referida publicação. Em 2010, se tornou professor de Relações Internacionais, credenciado e colaborador, do PPGEST/UFF, com o projeto de pesquisa “Norberto Bobbio e o Labirinto da Politica Internacional”, cujos resultados parciais foram publicados no livro A Defesa e a Segurança na América do Sul (2011). Vinculado ao mesmo Programa de Pós-Graduação, vem ministrando disciplinas como "Defesa e Segurança: Brasil" e "Teoria e Análise de Relações Internacionais II", ambas com o foco no modo como a política externa brasileira lidou, historicamente, com os temas de segurança e defesa. No ano de 2013, ingressou por concurso público e, em regime de dedicação exclusiva, no INEST/UFF, no cargo de professor adjunto de Relações Internacionais com o projeto “Os Nexos Conceituais da Política Exterior do Brasil a partir de San Tiago Dantas”, em continuidade com a pesquisa de 2010 e, com o tema da dissertação de mestrado, orientada pelo saudoso professor Gerson Moura, aplicando a perspectiva teórica internacionalista de N. Bobbio, relativa aos vínculos entre conceitos políticos - internos e internacionais - a um acervo documental específico relativo à política externa brasileira.

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Publicado

2015-08-15

Como Citar

Petrocchi, R. (2015). San Tiago Dantas e sua política externa como instrumento da reforma social e da democracia. Carta Internacional, 10(2), 81–96. https://doi.org/10.21530/ci.v10n2.2015.275

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Artigos